Mudar ou não mudar a hora? Eis a questão que divide especialistas e decisores políticos
A Comissão Europeia apela ao fim da mudança de hora, mas os cientistas defendem a sua manutenção. Seja qual for a sua preferência, lembre-se de atrasar o relógio na madrugada deste domingo.

Às duas da manhã, deste domingo, 26 de outubro de 2025, os relógios atrasam uma hora no continente e na Madeira, acontecendo o mesmo nos Açores, à uma da manhã. Amanhece e anoitece mais cedo durante o outono e o inverno. No último domingo de março, porém, voltamos a acertar os ponteiros para a hora de verão. Há 25 anos que é assim.
Ainda na passada quinta-feira, 23 de outubro, a Comissão Europeia apelou ao consenso entre os estados-membros para pôr fim ao acerto sazonal dos relógios na primavera e outono.
A discórdia no Parlamento Europeu
Esta não é uma questão consensual. Em 2019, o Parlamento Europeu votou a favor do fim da mudança horária até 2021, mas, sem a concordância dos países-membros, a alteração não avançou.
A proposta surgiu na sequência de uma consulta pública da Comissão Europeia, em que 84% dos europeus manifestaram a vontade de acabar com o atual modelo.

A representatividade desse inquérito, todavia, tem sido questionada por vários peritos, uma vez que, dos 4,6 milhões de europeus inquiridos, 3,5 milhões eram alemães. A sondagem deixou por isso de fora a população da esmagadora maioria dos países da UE.
Não sabemos, portanto, o que pensa, por exemplo, quem vive em Portugal. A posição dos especialistas, no entanto, é clara: o fim da mudança horária é uma péssima ideia.
Essa é, pelo menos, a conclusão do relatório A Hora Legal Portuguesa - O Impacto da Hora de Verão, do Observatório Astronómico de Lisboa. Recorrendo a vários estudos sobre as consequências na saúde, na economia e nas poupanças energéticas, o instituto, justifica manter o regime atual na União Europeia.
Atrasar o nascer do sol de inverno
Usar a hora UTC+1 sem horário de verão o ano inteiro pode, à primeira vista, parecer mais apelativo. Mas o relatório relembra as consequências negativas durante o inverno: o acréscimo de mais uma hora ao padrão legal levaria a que o nascer do sol acontecesse perto ou depois das 8h00 durante quase cinco meses, entre meados de outubro e meados de março.
A mudança implicaria, desde logo, grandes deslocações para o trabalho e para a escola durante períodos com pouca e difusa exposição solar, aumentando a probabilidade de acidentes.

O despertar ocorreria também “com as estrelas ainda no céu”, durante 40% do ano. Portugal, aliás, já experimentou a Hora Legal sem horário de verão em 1912-1915, 1922, 1923, 1925, 1930 e 1933, mas não mais a repetiu. E isso, para os especialistas, é um bom indicador de que milhões de pessoas, em três décadas diferentes, não apreciaram este regime.
Atrasar o por do sol no verão
A hipótese da Hora Legal UTC+1 com horário de verão, no ano inteiro, também acarreta consequências, adverte o Observatório Astronómico de Lisboa, relembrando as experiências de 1993 e 1996, que deixaram "más memórias" entre os portugueses.
Neste cenário, em particular, o sol põe-se depois das 21h ou mesmo às 22h na maior parte do verão. Entre inícios de junho e meados de julho a noite escura só começa depois da meia-noite, já no dia seguinte, o que tem impactos negativos nas horas de sono.
O relatório o defende, como tal, que a soma de impactos negativos torna esta opção a pior de todas. Nenhuma destas hipóteses, aliás, seria uma boa solução, segundo os especialistas do observatório.
O peso da saúde e da economia
A completar a análise sobre os impactos da hora de verão durante o ano inteiro, o relatório aborda ainda os dois argumentos mais usados para defender o fim do acerto sazonal: a poupança de energia e a perturbação no ciclo do sono. Mas ambas as justificações não estão suportadas pela ciência, advertem os especialistas.

Ao analisarem 44 estudos sobre os ganhos energéticos, os autores concluem que o valor médio de poupança de energia na Europa não ultrapassa 0,34%, com variações entre os 2,5%, nos países a sul, e menos de 0,5% para países mais a norte.
As alterações a que o ciclo circadiano está sujeito nas transições de e para a hora de verão e o seu impacto no sono e vigília têm sido igualmente objeto de muitos estudos científicos, mas sem demonstrar até agora perturbações significativas em larga escala. O relatório conclui, portanto, que a perturbação é mínima, justificando-se, por isso a manutenção da hora de verão na União Europeia.
Coincidir a mudança de hora com o equinócio
O modelo bi-horário, todavia, poderia ser melhorado se a alteração da hora de verão, em outubro, passasse para o final de setembro em todo o continente europeu, como aliás já foi uma tradição.

As mudanças de hora costumavam ocorrer nos equinócios, no fim de março e no fim de setembro, quando o sol está mais perto da zona equatorial do planeta e os dias têm a mesma duração que as noites.
A medida acabou em 1995, quando, por pressão dos britânicos, a comunidade europeia atrasou a mudança da hora de inverno para outubro. Desde então, não houve mais alterações, mas a discórdia, essa, está longe do fim.
Referência do artigo
A Hora Legal Portuguesa – O Impacto da Hora de Verão e a Escolha da Hora Legal – Observatório Astronómico de Lisboa