As estações do ano são mais complexas do que se pensava: novo estudo revela ciclos sazonais ocultos na Terra

Mapa criado com imagens de satélite revela pontos críticos no planeta desfasados com os padrões climáticos anuais. A descoberta pode ter implicações surpreendentes na ecologia, na biologia evolutiva e até nas ciências agrícolas.

Mapa com os pontos críticos de assincronia sazonal
O mapa mostra os pontos críticos de assincronia sazonal com os tons dourados mais reluzentes a evidenciar as regiões onde o momento da atividade sazonal varia muito em curtas distâncias. Imagem: Terasaki Hart et al. / Nature

Inverno, primavera, verão e outono é o ciclo anual que aprendemos logo nos primeiros anos da escola. Sabemos que as estações definem o ritmo de vida de humanos, animais e plantas. As nossas atividades sazonais estão organizadas para explorar os recursos e as condições que variam ao longo do ano.

O estudo desse calendário, conhecido como fenologia, é uma forma milenar de observar a natureza. Mas e se o que nos ensinaram ao longo dos tempos não corresponde exatamente ao real?

A observação das estações do ano tem vindo a evoluir muito com o avanço das tecnologias, que permitem observar a Terra a partir do Espaço. Com arquivos de imagens de satélite, que abrangem décadas, já é possível usar a computação para compreender melhor os ciclos sazonais do crescimento das plantas.

Uma árvore nas quatro estações do ano
A relação entre clima, geografia e ecologia é mais complexa do que o modelo que divide as estações do ano em primavera, verão, outono e inverno. Imagem: Heiko Stein/Pixabay

Os métodos, no entanto, continuam baseados na suposição de que estas fases sequenciais obedecem a modelos simples, mas uma investigação mais detalhada, publicada na revista Nature, revela que, afinal, há outros ritmos sazonais ocultos na Terra.

A assincronia sazonal vista do Espaço

O estudo internacional liderado pela CSIRO - agência científica nacional da Austrália - e pela Universidade da Califórnia em Berkeley, trouxe agora um retrato sem precedentes dos ciclos sazonais nos ecossistemas terrestres.

A equipa de climatologistas e cientistas de dados analisou 20 anos de imagens de satélite, concluindo que, em várias regiões do planeta, as estações do ano mostram sinais de assincronia sazonal.

Significa isto que os ciclos de crescimento das plantas e os ciclos reprodutivos dos animais não acompanham os padrões sazonais tradicionais de forma coordenada.

Se o modelo convencional de estações do ano funciona em grande parte da Europa, América do Norte e outros locais de alta latitude, o mesmo pode não acontecer nos trópicos ou em regiões áridas.

As cinco regiões climáticas mediterrânicas

Usando imagens de satélites para construir uma cronologia com duas décadas, os especialistas criaram um mapa preciso do calendário dos ciclos de crescimento das plantas em todo o mundo. Além dos padrões esperados, como o atraso da primavera em latitudes e altitudes mais elevadas, foi também possível observar particularidades inesperadas.

Um padrão surpreendente ocorre nas cinco regiões climáticas mediterrânicas da Terra, onde os invernos são amenos e húmidos e os verões quentes e secos. Dentro deste grupo estão incluídos, além do Mediterrâneo, a Califórnia, o Chile, a África do Sul e o Sul da Austrália.

Todas estas regiões partilham um padrão sazonal de duplo pico, porque os ciclos de crescimento florestal tendem a atingir o ponto mais alto cerca de dois meses mais tarde do que noutros ecossistemas. Apresentam também grandes diferenças no tempo de crescimento das plantas em relação às terras áridas vizinhas, onde as chuvas no verão são mais comuns.

Paisagem no Alentejo
Portugal, em especial a sul da serra da Estrela, tem um clima mediterrânico, apresentando pontos críticos de atividade sazonal dessincronizada com as estações do ano. Imagem: Digitalsignal, own work, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons

Essa complexa combinação de padrões explica por que os climas mediterrânicos e as terras áridas vizinhas são pontos críticos de atividade sazonal fora de sincronia que podem apresentar tempos drasticamente diferentes.

Implicações na biodiversidade da flora e fauna

O mapa prevê diferenças geográficas acentuadas no calendário de floração e na relação genética entre uma grande variedade de espécies vegetais e animais. O fenómeno explica até a complexa geografia das épocas de colheita do café na Colômbia — um país onde as plantações separadas por um dia de viagem pelas montanhas podem ter ciclos reprodutivos tão desfasados como se estivessem em hemisférios opostos.

Nas zonas montanhosas de regiões tropicais, aliás, a dessincronização pode estar relacionada com a influência das próprias montanhas no fluxo de ar, determinando os modelos locais de precipitação e nebulosidade. Estes eventos são ainda pouco compreendidos, esclarecem os autores, mas podem ser fundamentais para compreender a distribuição das espécies nesses hotspots de biodiversidade.

Com os ciclos sazonais de crescimento das plantas desalinhados nestas regiões, a disponibilidade rotativa de recursos também pode estar dessincronizada. Esse desfasamento poderá, em última análise, ter implicações ecológicas e evolutivas profundas.

Uma dessas consequências é que espécies com ciclos reprodutivos dissonantes teriam menos probabilidade de se cruzar. Seria de esperar, como resultado, que essas populações divergissem geneticamente, acabando provavelmente por se dividir em linhagens distintas.

rã exótica
O desfasamento temporal em certas regiões pode levar a que diferentes espécies tenham acesso a recursos em momentos distintos, favorecendo a biodiversidade. Foto: Herbert Bieser/Pixabay

Mesmo que isso aconteça apenas com uma pequena percentagem de espécies, a longo prazo, essas regiões poderiam, em teoria, produzir grandes quantidades de biodiversidade.

O novo mapa da equipa internacional mostra, no fundo, que a relação entre clima, geografia e ecologia é mais complexa do que se pensava, abrindo caminho para estudos sobre o impacto da dessincronização climática nos ecossistemas e na disponibilidade de recursos.

“Sugerimos direções futuras empolgantes para a biologia evolutiva, a ecologia das mudanças climáticas e a pesquisa sobre biodiversidade, mas essa maneira de ver o mundo tem implicações interessantes ainda mais distantes, como nas ciências agrícolas ou na epidemiologia”, rematam os autores do estudo.

Referência do artigo

Drew E. Terasaki Hart, Thảo-Nguyên Bùi, Lauren Di Maggio & Ian J. Wang. Global phenology maps reveal the drivers and effects of seasonal asynchrony. Nature