As alterações climáticas ainda não são uma prioridade para os portugueses

Saúde, pobreza ou corrupção sobrepõem-se ao ambiente, revela o inquérito da Fundação Calouste Gulbenkian. É preciso, por isso, correlacionar os benefícios da sustentabilidade às preocupações mais imediatas das pessoas, conclui o estudo.

Ilustração do planeta Terra
A esmagadora maioria dos participantes no estudo da Fundação Gulbenkian reconhece que poderia fazer mais ou muito mais para proteger o planeta.

Ninguém é indiferente aos desafios que o nosso planeta enfrenta. Sete em cada dez portugueses, aliás, reconhecem o impacto que as alterações climáticas poderão ter nas gerações mais próximas. Mas essa perceção, aparentemente, não tem sido suficiente para alterar o seu comportamento.

É isso, pelo menos, que revela o inquérito “Clima e Mudança - Perceção sobre os Desafios Ambientais em Portugal”. O estudo, encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian, mostra que, dos mais de 1500 inquiridos, 83% admitiram que poderiam fazer mais ou muito mais.

As restrições financeiras são, contudo, o grande obstáculo para os entrevistados não se empenharem mais pela sustentabilidade ambiental.

O relatório da empresa de estudos de mercado Ipsos-APEME procurou compreender as atitudes dos cidadãos face aos desafios ambientais e avaliar como percecionam a capacidade das organizações em envolver a sociedade na proteção do ambiente.

Embora as preocupações com as alterações climáticas estejam presentes, o certo é que surgem apenas na décima posição do ranking dos temas mais urgentes. Primeiro estão os cuidados de saúde, a seguir vem a pobreza e a desigualdade social e, por fim, a corrupção completa o pódio das maiores apreensões entre os portugueses.

Gráfico com as preocupações mais ugentes dos portugueses
Se as alterações climáticas surgem a meio da tabela, as ameaças contra o ambiente são ainda mais subvalorizadas, representando apenas 5% do total.

Há ainda outras prioridades que se sobrepõem às alterações climáticas, incluindo impostos, controlo migratório, crime e violência, educação e aumento de extremismo.

As mudanças do clima surgem quase a meio da tabela e à frente de tópicos como desemprego, conflitos militares entre países, declínio moral ou terrorismo.

A distância entre teoria e ação

O desfasamento entre a intensão e a prática demonstrada neste estudo revela que as questões sociais e ambientais são encaradas como fatores distintos.

“Clima e Mudança - Perceção sobre os Desafios Ambientais em Portugal”
A maioria dos entrevistados reconhece a urgência em agir já para combater ou mitigar os efeitos das alterações climáticas.

Essa perceção, para os autores, significa que é urgente trabalhar nos problemas ambientais como uma via para melhorar a qualidade de vida. Até porque está plenamente demonstrado que os efeitos das alterações climáticas têm um impacto direto nas desigualdades sociais, sendo a população economicamente desfavorecida a mais afetada.

Para impulsionar as mudanças é necessário correlacionar os benefícios da sustentabilidade às preocupações mais imediatas das pessoas. Como é também fundamental que as entidades públicas e privadas sejam capazes de liderar pelo exemplo.

Somente 20% dos inquiridos reconhece que Portugal já implementa boas práticas no espaço público.

A confiança nas organizações depende, por isso, da consistência, escala e impacto visível das ações, programas e iniciativas que já foram executados no país.

Diferentes pontos de vista para a mesma questão

O trabalho distinguiu ainda cinco perfis entre os cidadãos que participaram no inquérito e que deverão, de acordo com o estudo, exigir diferentes abordagens para aumentar o seu grau de envolvimento em questões ambientais:

  • 25% dos 1509 inquiridos são considerados “entusiastas”, estando comprometidos numa mudança em defesa do ambiente e acreditando ainda que esse envolvimento, mesmo com imperfeições, estende-se também ao coletivo;
  • 27% são “esforçados”, estando disponíveis para mudar os seus comportamentos, embora não reconheçam o mesmo empenho na sociedade;
  • 25% estão “recetivos” e mostram-se sensibilizados para as questões ambientais, admitindo, porém, não terem passado ainda à ação;
  • 15% estão incluídos no grupo dos “ocupados”, pois dizem-se atarefados nas suas rotinas diárias e pouco suscetíveis a adotar comportamentos sustentáveis;
  • 8% estão “desinteressados”, não se envolvendo nestes temas nem tão pouco acreditando no impacto do seu contributo para uma mudança.

Ao focar a lente deste estudo na faixa etária dos 18 aos 24 anos é possível perceber ainda que, entre os mais jovens, apenas 13% são “entusiastas”, havendo ainda uma maior proporção de “desinteressados” (19%) e de “ocupados” (19%).

“Clima e Mudança - Perceção sobre os Desafios Ambientais em Portugal”.
Trabalhar nos problemas ambientais como uma via para melhorar a qualidade de vida é, segundo o estudo, a estratégia para aumentar o envolvimento da sociedade na defesa do planeta.

As ansiedades deste grupo etário, em particular, estão mais concentradas no desemprego, no custo de vida ou na falta de habitação, levando-os a dar prioridade a questões com repercussões imediatas na sua estabilidade financeira.

O papel das organizações ambientais

As organizações ambientais, neste contexto, podem assumir um maior protagonismo no envolvimento da população, defendem os especialistas. O estudo também incluiu uma análise a 101 entidades ambientais para compreender o seu peso junto das comunidades.

Desde logo têm a seu favor a opinião positiva por parte dos inquiridos, beneficiando ainda de uma maior proximidade com a sociedade.

São dois fatores críticos que podem ajudar a estabelecer pontes com as autarquias, as escolas, as empresas e a comunicação social, contribuindo na transformação do espaço público.

Mas o que falta a boa parte destas organizações é a capacidade financeira para chegar a mais pessoas através de missões mais consistentes e com maior alcance, concluem os autores do estudo.

Referência da notícia

Clima e Mudança - Perceções sobre os desafios ambientais em Portugal. Fundação Calouste Gulbenkian.