Metade da árvore da vida: o colapso dos insetos em reservas naturais alarma cientistas

Mesmo em áreas protegidas e livres de pesticidas, as populações de insetos estão a diminuir. Este fenómeno revela uma crise silenciosa que atinge ecossistemas inteiros e ameaça redes alimentares globais.

monitorização insetos
Daniel Janzen tem monitorizado insetos desde a década de 1970 na área de conservação de Guanacaste, na Costa Rica. Ele afirma ter visto a biodiversidade despencar mesmo em ambientes intocados. Crédito: P Greenfield/Guardian

O ecologista Daniel Janzen começou a observar os insetos de maneira profunda após um acidente marcante, há quase 50 anos. Durante uma expedição numa floresta da Costa Rica, ele caiu de costas num barranco, fraturando três costelas. Sem acesso imediato a hospitais, Janzen amarrou o seu tronco com um lençol a uma cadeira de balanço na varanda da sua cabana de investigação e passou semanas praticamente imóvel.

Durante esse período de imobilidade forçada, ele testemunhou a vida efervescente que vibrava ao seu redor. Galhos tornavam-se cidades de pequenos caçadores, voadores, rastejantes e consumidores. A floresta protegida, rica em diversidade, parecia pulsar com energia.

Mas o verdadeiro espetáculo acontecia à noite. Uma simples lâmpada de 25 watts iluminava um lençol preso na varanda, atraindo milhares de mariposas e outros insetos. A visão da cortina “coberta como papel de parede vivo” motivou Janzen a especializar-se no estudo das populações de lagartas e mariposas da região.

Um silêncio crescente

Com o passar dos anos, Janzen repetiu a armadilha luminosa sob as mesmas condições: mesmo local, mesma estação, mesma lua. Mas os resultados transformaram-se numa história de desaparecimento. Onde antes havia milhares de insetos, hoje quase não resta atividade. “É o mesmo cenário, só que sem mariposas”, lamenta ele.

monitorização de insetos
Há muito tempo, as armadilhas luminosas são usadas para monitorizar o número de insetos noturnos. Numa fotografia de uma delas tirada em 1978, foram identificadas cerca de 3.000 espécies. Crédito: Patrick Greenfield/The Guardian

O que antes era um ecossistema vibrante agora parece um espaço estéril. As folhas permanecem intactas, sem sinais de mordidas, e o zumbido das abelhas selvagens desapareceu. Janzen e a sua parceira, Winnie Hallwachs, descrevem a floresta como um museu — 'bela, mas morta'.

Este não é um caso isolado. O declínio nas populações de insetos, documentado em locais tão diversos como a Alemanha, os Estados Unidos e Porto Rico, tem alarmado a comunidade científica. Nas reservas naturais alemãs, por exemplo, 75% dos insetos voadores desapareceram em menos de 30 anos.

A “nova era” do colapso ecológico

Os ecologistas chamam a esta fase de “nova era” do colapso ecológico. Diferente das extinções causadas por uso de pesticidas, desflorestação ou agricultura intensiva, agora os desaparecimentos ocorrem até mesmo em regiões supostamente intactas.

Moradores e cientistas procuram insetos nos canais de Xochimilco, na Cidade do México. Os axolotes, que se alimentam de insetos, agora são uma espécie ameaçada de extinção. Crédito: Tomas Bravo/Reuters
Moradores e cientistas procuram insetos nos canais de Xochimilco, na Cidade do México. Os axolotes, que se alimentam de insetos, agora são uma espécie ameaçada de extinção. Crédito: Tomas Bravo/Reuters

Esse colapso tem repercussões em toda a cadeia alimentar. Aves insetívoras, morcegos e répteis que dependem dos insetos estão também em declínio.

David Wagner, entomologista dos EUA, relata o mesmo fenómeno. Numa recente expedição ao Texas, encontrou paisagens “sem nenhuma vida de inseto”. Alerta: "Mesmo perdas pequenas — como 1% por ano — somam cerca de 40% em quatro décadas. “É metade da árvore da vida a desaparecer ao longo de uma vida humana”.

Num estudo no Panamá, 88% das espécies de aves perderam mais de metade da sua população. E em Porto Rico, cientistas observaram uma “cascata trófica” de desaparecimento de sapos, lagartos e pássaros junto com os insetos.

Fora de sincronia com a natureza

A principal causa emergente, apontam os cientistas, são as alterações climáticas. O ecossistema da floresta tropical funciona como um relógio suíço — com ciclos finamente ajustados de calor, humidade, chuvas e reprodução. Mas o clima está a desregular todas as 'engrenagens' desse sistema delicado.

O besouro Calosoma sycophanta, ou caçador de lagartas florestais, está em declínio na Alemanha, onde o número de insetos voadores em 63 reservas caiu 75% em menos de 30 anos. Foto: T Lohnes/Getty
O besouro Calosoma sycophanta, ou caçador de lagartas florestais, está em declínio na Alemanha, onde o número de insetos voadores em 63 reservas caiu 75% em menos de 30 anos. Crédito: T Lohnes/Getty

As estações secas estão mais longas, como observa Janzen: “Quando cheguei aqui em 1963, eram quatro meses. Hoje, são seis”. Insetos que aguardam as chuvas no subsolo simplesmente não resistem ao período seco prolongado. A humidade, vital para a sua sobrevivência, está a desaparecer.

O corpo dos insetos, repleto de orifícios para respiração, também os torna extremamente vulneráveis à perda de água. “Mesmo uma seca de alguns dias pode matar milhões”, diz Wagner. A água, mais do que o calor, é um gatilho mortal.

A urgência da documentação

Uma investigação recente na revista BioScience apontou a crise climática como o principal fator de ameaça às espécies em extinção nos EUA, superando a desflorestação e a poluição. E o maior problema: a mudança climática atua em todos os lugares ao mesmo tempo, impedindo a recuperação local das populações.

Uma lista de mariposas registadas em Brill Common, Buckinghamshire, em 2013. O número de mariposas maiores na Grã-Bretanha caiu 33% em 50 anos. Foto: Dan Kitwood/Getty
Uma lista de mariposas registadas em Brill Common, Buckinghamshire, em 2013. O número de mariposas maiores na Grã-Bretanha caiu 33% em 50 anos. Crédito: Dan Kitwood/Getty

Diante disso, Wagner hoje vê-se também como um elegista das criaturas que estão a desaparecer. “Quero passar a minha última década a documentar estes seres antes que desapareçam por completo”, disse. Janzen continua o seu trabalho, mas reconhece: o que antes era uma floresta viva agora é um espaço quase vazio. “Hoje, quando uma mariposa pousa na luz do laptop, eu comemoro: ‘Winnie! Uma mariposa!’”.

Cientistas veteranos, antes apaixonados por estudar insetos, hoje evitam montar armadilhas com medo de ver o vazio. “Para alguns, é emocionalmente insuportável”, diz Hallwachs. E a cada noite silenciosa, parece mais evidente: a metade invisível da vida na Terra está a desaparecer.

Referência da notícia

‘Half the tree of life’: ecologists’ horror as nature reserves are emptied of insects. 03 de junho, 2025. Tess McClure.