Ventos catabáticos: os guardiões do ar frio que podem desaparecer com o aquecimento global
Os glaciares de montanha desempenham um papel fundamental nas interações clima-solo, moldando o ciclo hidrológico das montanhas e constituindo uma parte importante da água no planeta.

Os glaciares são frequentemente chamados de "torres de água" pois armazenam cerca de 70% da água doce do planeta e servem de reservatório natural para a água que é libertada, principalmente através do degelo, para alimentar rios e abastecer comunidades a jusante.
Ventos catabáticos e resistência ao aquecimento global
Os ventos catabáticos são fenómenos naturais que ocorrem quando o ar frio e denso flui de altitudes mais elevadas para regiões mais baixas e podem ter um impacto significativo nos climas locais, especialmente em regiões onde há glaciares de montanha, com temperaturas muito baixas no topo da montanha.
Através dos ventos catabáticos os glaciares de montanha têm arrefecido o ar circundante, mas esta situação pode alterar-se devido ao aquecimento global.
Estes ventos são criados quando o ar arrefece a altitudes mais elevadas e se torna mais pesado do que o ar mais quente que se encontra por baixo. A massa de ar mais frio junto aos glaciares desloca-se assim para as regiões mais baixas e circundantes.
No entanto, de acordo com um estudo recente publicado na revista Nature Climate Change, esse efeito de arrefecimento pode não durar muito mais tempo. Investigadores do Instituto de Ciência e Tecnologia da Áustria (ISTA) descobriram que os glaciares em breve atingirão o pico da sua capacidade de arrefecimento.
Neste estudo, Thomas E. Shaw e a sua equipa examinaram dados de 350 estações meteorológicas em 62 glaciares em todo o mundo, o que representa um total de 169 campanhas de medição ao longo do verão. Estas estações têm vindo a monitorizar as mudanças de temperatura há anos.

Os investigadores concentraram-se na diferença entre a temperatura do ar medida acima das superfícies dos glaciares e a temperatura do ar do terreno não glaciar circundante. A razão entre estas duas temperaturas é chamada de «desacoplamento de temperatura».
As temperaturas do ar sobre muitos glaciares de montanha estão desacopladas dos seus arredores, o que tem levado a um arrefecimento local dificultando o degelo.
No entanto, ao usar modelos para prever o futuro, a equipa descobriu que esse efeito de arrefecimento atingirá o seu pico entre as décadas de 2020 e 2030.
Depois disso, os glaciares começarão a perder massa mais rapidamente, a ficar mais finos e a perder a sua capacidade de se manterem frios.
Quando os glaciares perderem massa suficiente, eles irão aquecer mais rapidamente, acelerando o seu declínio.
Um apelo à ação global
Embora as temperaturas globais continuem a subir, as superfícies de muitos glaciares estão a aquecer mais lentamente, de acordo com o estudo. Alguns, como os imensos glaciares do Himalaia resfriam enormes massas de ar, que vão descendo pelas encostas arrefecendo os vales abaixo. Esta refrigeração natural pode parecer um sinal de resiliência, mas os cientistas dizem que é apenas temporário.

Segundo o estudo, o efeito do arrefecimento não durará muito, e uma mudança de tendência ocorrerá antes de meados do século. Após esse ponto, espera-se que o derretimento e a fragmentação causados pelo aquecimento induzido pelo homem se intensifiquem, com os glaciares a aquecerem mais rapidamente perto de suas superfícies e a diminuírem a um ritmo acelerado.
No entanto, de acordo com Thomas E. Shaw, um dos autores do estudo, se a tendência atual se mantiver, saber que o auto resfriamento dos glaciares vai continuar por mais alguns anos pode dar mais tempo para se otimizar os planos de gestão da água nas próximas décadas.
O mesmo autor refere que a perda dos glaciares é inevitável e que mesmo com os esforços para desacelerar as mudanças climáticas, muitos dos glaciares das montanhas do mundo já estão em um estágio avançado demais para serem salvos.
Perante o resultado do estudo, a equipa pede aos gestores uma ação global imediata para reduzir as emissões e que haja uma gestão eficaz dos recursos hídricos cada vez mais escassos.
Referência da notícia:
“Mountain glaciers recouple to atmospheric warming over the twenty-first century”, Thomas E. Shaw et al., Nature Climate Change, Published: October 2025.