3I/ATLAS não atende a critérios de nave alienígena: cientistas desmentem especulações de Harvard
O cometa 3I/ATLAS, um visitante de outro sistema estelar, inspirou teorias extravagantes depois de um astrónomo de Harvard o ter associado a uma possível nave espacial alienígena. Especialistas desmentem esta ideia e explicam o seu verdadeiro valor científico.

Hipóteses espetaculares tendem a espalhar-se mais rápido do que factos científicos, especialmente quando partem de figuras renomadas. Foi o que aconteceu com o cometa 3I/ATLAS, detetado em julho pelo observatório ATLAS (Asteroid Terrestrial-impact Last Alert System), em Río Hurtado, Chile. Desde então, as redes sociais foram inundadas de especulações depois de Avi Loeb, astrónomo da Universidade de Harvard, ter sugerido que poderia tratar-se de uma nave espacial extraterrestre.
A sua composição química é incomum, sim, mas completamente explicável dentro dos modelos conhecidos. "Se pudéssemos realmente encontrar outras civilizações, os cometas não seriam o caminho para isso", esclarece o investigador.
O interesse em 3I/ATLAS está na sua origem: ele não se formou no nosso sistema solar, mas noutro canto da galáxia. Os astrónomos identificam-no como um viajante interestelar, um fragmento de outro sistema planetário que, após biliões de anos no espaço, está agora a passar pela nossa vizinhança cósmica.
Um cometa com marcas químicas únicas
O que mais surpreendeu os especialistas foi a sua composição. Ao contrário dos cometas do nosso sistema solar — formados principalmente de gelo de água, poeira e outros tipos de gelo — o 3I/ATLAS apresenta uma proporção excecionalmente elevada de dióxido de carbono (CO₂).
Kueppers sugere que esta característica pode indicar que ele se formou num ambiente muito mais frio do que o seu sistema de origem, onde elementos voláteis se condensam a temperaturas mais baixas. Mas também pode ser um efeito causado pela sua longa jornada interestelar.

Outra característica marcante é a abundância de níquel metálico, um elemento incomum neste tipo de corpo. Embora a sua presença ainda não seja totalmente compreendida, os cientistas acreditam que ela pode oferecer pistas sobre a diversidade química de sistemas planetários além do Sol.
“Estes objetos permitem-nos ver em primeira mão como são os sistemas estelares fora do nosso”, explica Kueppers. Ao contrário das imagens distantes capturadas por telescópios, os cometas interestelares carregam material físico de mundos antigos, possivelmente mais antigos do que o nosso próprio sistema solar.
Da ciência à especulação
A hipótese de Loeb, no entanto, levou o debate a outro patamar. O físico israelo-americano propôs que o 3I/ATLAS poderia realizar uma manobra de navegação artificial ao se aproximar do centro do sistema solar, e até mesmo lançar sondas em direção aos planetas.
Segundo a cientista espanhola, a probabilidade de todas estas circunstâncias se alinharem é praticamente nula. Por outro lado, a explicação de que se trata de um cometa interestelar com características peculiares é muito mais consistente com as evidências disponíveis. "É muito mais provável que estejamos a ver um cometa estranho, e não uma nave espacial extraterrestre", afirma ela.
Loeb já tinha estado no centro de uma controvérsia semelhante em 2017, quando argumentou que 'Oumuamua, o primeiro objeto interestelar detetado, poderia ser uma "vela solar" alienígena. A sua hipótese foi duramente criticada pela comunidade científica, embora tenha gerado considerável atenção dos media.
Ciência perante o ruído dos media
A recente campanha internacional de observação do asteroide 3I/ATLAS, liderada pela Rede Internacional de Alerta de Asteroides (IAWN), coincidiu com as declarações de Loeb, alimentando uma onda de teorias da conspiração online. Algumas publicações chegaram a afirmar, sem provas, que a NASA tinha ativado um "protocolo de defesa planetária".
Na realidade, a campanha — programada entre 27 de novembro e 27 de janeiro — é uma iniciativa científica de rotina, destinada a aprimorar os cálculos da posição, velocidade e composição do cometa.
“O primeiro passo é ouvir os cientistas”, enfatiza Manjavacas. “Baseamos as nossas conclusões em evidências, não em meras suposições. A ideia de uma nave espacial alienígena parece atraente, mas é infinitamente improvável”, disse ela.
Mesmo assim, o astrónomo celebra o interesse público que o fenómeno gera: “O importante é que a astronomia continue a fascinar as pessoas. Não por causa de extraterrestres, mas porque nos ajuda a entender o nosso lugar no Universo”, disse.