O que faz um lince ibérico de Silves nos Pirenéus espanhóis?
O animal, batizado de Secreto, percorreu cerca de mil quilómetros para inaugurar um novo habitat a quase dois mil metros de altitude. Saiba aqui que obstáculos terá ainda de ultrapassar.

O lince ibérico Secreto, nascido há quatro anos em Silves e libertado na primavera de 2022 no Parque Natural da Sierra Norte de Sevilha, já percorreu uma grande distância.
A sua presença foi detetada pelas câmaras da Associação pela Defesa do Lobo e do Urso nos Pirenéus (ADLO Pirineo), a cerca de sete quilómetros da fronteira com França, na região espanhola da Catalunha.
Caminhando livremente na natureza, o animal batizado de Secreto alcançou uma altitude de 1750 metros, onde encontrou finalmente o que tanto procurava: lebres, muitas lebres, que são parte essencial da sua dieta.
A deslocação é pouco usual para esta espécie (Lynx pardinus), por isso mesmo, o seu avistamento, captado nas armadilhas fotográficas, foi celebrado entre os conservacionistas da ADLO. O momento é considerado histórico, confirmando os Pirenéus como um habitat potencial para estes animais.
Uma estreia promissora
Vale a pena recordar que, tradicionalmente, a única espécie presente nos Pirenéus era o lince boreal (Lynx lynx), desaparecido há décadas. A população mais próxima desta espécie encontra-se atualmente em território francês, com cerca de 150 indivíduos, principalmente na cordilheira do Jura.
O avistamento do lince ibérico é, provavelmente, uma das deteções da espécie a maior altitude na Península Ibérica, nos Pirenéus Axiais, numa zona com lebres, camurças, corços, raposas, veados ou esquilos e ainda marmotas a poucos quilómetros de distância.

O animal já tinha sido localizado, meses antes, pelas câmaras dos guardas-florestais da Catalunha, no nordeste de Espanha, mas numa zona fora dos Pirenéus.
Secreto foi detetado em abril nos Pirenéus numa área com uma população significativa de lebres e camurças, mas a câmara só foi verificada agora, nas primeiras semanas de setembro.
Imagens do lince foram também captadas por outra armadilha fotográfica instalada nas proximidades, onde o felino foi filmado a caminhar.
A sua estreia nesta área representa uma segunda oportunidade, sendo urgente, por isso, promover a sua reintrodução e conservação em regiões como Aragão e Catalunha. É isso que defende a Associação pela Defesa do Lobo e do Urso nos Pirenéus.
Diante das alterações climáticas, a sua presença evidencia que tanto as Terras de Lérida e certos vales pirenaicos, no interior da comunidade autónoma da Catalunha, como as regiões aragonesas, poderão tornar-se ecorregiões adequadas à sua presença.
É urgente proteger a espécie
Além de ser um símbolo de biodiversidade, a espécie desempenha historicamente um papel crítico como predador natural de coelhos, que constituem 90% da sua alimentação. Tal característica proporciona uma solução ecológica e sustentável para o controle da sobrepopulação destes herbívoros em regiões como Lérida.
A conquista de novos territórios, nos picos dos Pirenéus espanhóis, só poderá ser bem-sucedida se houver vontade de eliminar todos os obstáculos à sobrevivência do lince ibérico. Desde logo, é necessário proibir e fiscalizar o uso de venenos para o controlo populacional dos coelhos.

A utilização de substâncias legalmente autorizadas na Catalunha, como fosforeto de alumínio, não é apenas uma prática “cruel e temporária”, como põe também em risco a saúde de outras espécies ameaçadas e a qualidade dos ecossistemas, adverte a associação
A sensibilização dos agricultores para a importância de preservar a espécie deverá fazer igualmente parte de qualquer programa-piloto que se venha a implementar com vista a impulsionar o regresso do lince ibérico.
Vários estudos, segundo a ADLO Pirineo, provaram que os danos causados ao gado por esta espécie não são maiores do que os provocados por raposas, genetas ou martas.
As medidas de proteção ao lince, em contrapartida, já demonstraram em outros territórios, que são uma solução natural eficiente para conter a população de coelhos e proteger a atividade agrícola.
O esforço recompensa
O lince ibérico esteve à beira da extinção no início deste século, tendo sido alvo, desde então, de sucessivos programas de recuperação. O número de animais na Península Ibérica aumentou 19% em 2024, alcançando os 2401 animais, segundo o mais recente censo anual do programa luso-espanhol LIFE LynxConnect.
Para alcançar um "estado de conservação favorável”, os especialistas julgam ser necessário chegar a entre 4500 e seis mil indivíduos, com pelo menos 1100 fêmeas reprodutoras. Os projetos de conservação do lince ibérico, maioritariamente financiados por programas europeus LIFE, têm mais de 20 anos e o número total de animais passou de menos de 100 em 2002 para mais de dois mil em 2023.

No ano seguinte, a espécie deixou de ser classificada "em risco" para passar a "vulnerável" na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Nesse ano foram identificados 2047 linces em Espanha e 354 em Portugal, no Vale do Guadiana.
Além desta população a viver em território português, há outras nas regiões espanholas de Castela La Mancha (942 linces), Andaluzia (836), Extremadura (254) e Múrcia (15), algumas delas já com núcleos de interligação, significando que os corredores ecológicos estão a originar novos habitats para as gerações seguintes de uma espécie que conta com pelo menos 1,6 milhões de anos.
Referência da notícia
Detectado por primera vez un lince ibérico en el Pirineo - Asociación por la Defensa del Lobo y el Oso en el Pirineo (ADLO Pirineo).