Os cientistas alertam: a língua portuguesa é prioritária para a conservação da Natureza

Dez por cento da biodiversidade do planeta está em países que falam português e malaio. Se quisermos proteger as espécies ameaçadas, estes dois idiomas têm de ser incluídos nas negociações e tratados internacionais.

Mapa-mundi com os países de língua oficial portuguesa assinalados
Dado o número de falantes e diversidade regional, o português deve ser incluído nos tratados internacionais que visam proteger as espécies ameaçadas. Imagem: Canva

A barreira linguística é um obstáculo na comunicação. Um mal-entendido pode ser fatal na hora de fechar um negócio, avaliar as boas ou as más intensões de um desconhecido ou até em situações de grande emergência.

As consequências de não se entender uma língua estrangeira podem ir da comédia à tragédia e com um impacto em inúmeras dimensões da nossa vida.

Diogo Veríssimo e Ricardo Rocha da Universidade de Oxford, em Inglaterra, Carolina Hazin, da organização The Nature Conservancy, e Maria Dias, do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (CE3C) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa trouxeram uma nova perspetiva sobre as barreiras linguísticas.

fotos polaroid de países que falam português e malaio
Dez por cento da biodiversidade do Mundo ocorre em destinos que falam francês, português e malaio. Imagens: Canva

No panorama internacional, o português tem de ser visto como uma língua prioritária nos tratados que visam proteger as espécies ameaçadas no planeta. Não é somente por se tratar do quarto idioma mais falado no mundo, mas sobretudo porque é a língua nativa em várias regiões do globo com elevada biodiversidade.

Incluir o português nas convenções internacionais é assegurar por isso que muitos dos objetivos para travar o declínio da vida selvagem possam ser cumpridos.

A biodiversidade também fala português e malaio

Num artigo publicado na revista Conservation Letters, os quatro investigadores analisaram a distribuição de milhares de espécies incluídas na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e cruzaram estes dados com as línguas oficiais mais faladas nos diferentes países onde a biodiversidade ocorre.

Os resultados revelam que, muito embora o espanhol e o inglês continuem a ser línguas centrais para a conservação à escala global, cobrindo áreas com cerca de 25% da biodiversidade do planeta, o francês, o português e o malaio surgem logo a seguir com cerca de 10%.

Mas se os três primeiros idiomas já beneficiam de estatuto oficial nos tratados internacionais, o português e o malaio não são contemplados, apesar de, neste caso em particular, superarem a importância de outras línguas oficiais, como o russo, o árabe ou o chinês.

A exclusão é uma desvantagem nas negociações

Este desfasamento linguístico significa que comunidades, técnicos e académicos de países com elevadas taxas de diversidade biológica ficam em desvantagem na negociação e no acesso a documentos científicos, jurídicos e políticos que orientam a aplicação das medidas internacionais para a conservação, como as do Quadro Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal até 2030.

Estamos diante de países críticos como Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste, Malásia ou Indonésia, que não podem ser ficar para trás.

A língua portuguesa destaca-se no panorama da conservação não apenas por incluir países ricos em biodiversidade, mas também por abarcar regiões muito distintas que vão da Europa, à América, passando por África e Ásia.

Savana
Para travar o declínio global de biodiversidade, os tratados internacionais devem ser mais inclusivos e reconhecer a importância de outros idiomas, além do inglês, francês e espanhol. Foto: Gabriel Gach via Pixabay

De igual modo, dizem os autores, o malaio é também uma língua indispensável, dada a biodiversidade que se regista no sudeste asiático.

Quatro prioridades linguísticas na proteção do Planeta

Para ultrapassar esta barreira, os autores propõem um sistema de quatro níveis de prioridade linguística. No primeiro patamar estão as línguas francas globais, como o inglês e o francês. Num segundo grau, devem ser incluídas as línguas oficiais das Nações Unidas.

Logo a seguir, deverão surgir as línguas prioritárias para a biodiversidade, como o português e o malaio. Uma última categoria não pode também ser negligenciada – as línguas indígenas – consideradas vitais para conhecer a realidade local e desenvolver ações comunitárias.

Os equívocos gerados pela inteligência artificial

Poder-se-ia pensar que, na era da inteligência artificial, este tipo de apreensões não faz sentido. Um chatbot ou motor de busca já traduzem centenas de idiomas em poucos segundos.

Mas os autores advertem que ainda é arriscado confiar cegamente em traduções automáticas, principalmente em documentos técnicos e legais, onde abundam termos e conceitos específicos que podem dar origem a interpretações erradas com sérias consequências.

povos indígenas
As línguas indígenas são também vitais para conhecer a realidade de cada comunidade e desenvolver programas de proteção ambiental. Foto: Aino Tuominen via Pixabay

O estudo recomenda por isso soluções híbridas, que combinem ferramentas digitais com revisão especializada e ainda colaborações com tradutores locais para se obter uma compreensão detalhada dos documentos.

Dar o devido valor a idiomas como português e malaio nos fóruns internacionais onde são decididas as políticas de biodiversidade é mais do que uma questão de equidade. É uma condição essencial para mobilizar as comunidades que estão na linha da frente da conservação, rematam os investigadores.

Referência da notícia

Diogo Veríssimo, Carolina Hazin, Ricardo Rocha & Maria P. Dias. Languages of Life: A Global Perspective on Linguistic Priorities for Biodiversity Conservation. Conservation Letters