Grandes herbívoros das gravuras rupestres voltam ao Vale do Côa para restaurar a natureza e prevenir incêndios
Cavalos selvagens, bovinos primitivos e bisontes-europeus estão a ser reintroduzidos no nordeste de Portugal. As espécies vão recriar os ecossistemas do passado, esperando-se que aumentem a biodiversidade e a resiliência às alterações climáticas.

No Vale do Côa, entre o rio Douro e as montanhas da Malcata, no nordeste de Portugal, os humanos e a vida selvagem coexistem desde o paleolítico. Este é um corredor natural que se estende por mais de 120 mil hectares com profundos vales fluviais, que se abrem no meio de montados e serras.
Os prados verdejantes, nesta altura do ano, dão abrigo a uma variedade de espécies animais, incluindo carnívoros como o gato selvagem, a raposa, a gineta, a fuinha, a lontra ou o texugo. Os grandes herbívoros – o veado e o corso sobretudo - também aqui encontram alimento por entre a vegetação natural.
Uma oportunidade para reverter o declínio da vida selvagem
Nas décadas mais recentes, porém, a natureza tem vindo a perder a sua funcionalidade devido à degradação e perda de habitat, perseguição da vida selvagem e também a uma crescente desvalorização da importância dos serviços ecossistémicos para a região.

Com uma paisagem dominada por pequenas propriedades onde se cultivavam azeitonas, amêndoas e cereais, a agricultura tem vindo a desaparecer nos solos menos produtivos. Mas o abandono rural trouxe também uma oportunidade para restaurar estas vastas áreas caracterizadas por leitos rochosos de granito.
E este é precisamente o objetivo do projeto Promover a Renaturalização do Grande Vale do Côa, coordenado pela Rewilding Portugal. Trazer de volta espécies que já habitaram esta região é a operação que está em curso.
O paleolítico regressou para recuperar as paisagens do passado
Cavalos Sorraia - raça autóctone das zonas secas e planas do Sul da Península Ibérica-, e tauros, descendentes das vacas primitivas representadas nas pinturas rupestres, estão de regresso a estas paisagens para recriar os ecossistemas do passado, ampliar a biodiversidade e reduzir o risco de incêndios rurais.
Uma manada de oito bisontes-europeus também chegou, na primavera de 2024, ao Vale do Côa para aumentar o sequestro de carbono, estimular a biodiversidade e apoiar o crescimento do turismo de natureza. Embora monitorizados de perto, os animais pastoreiam em liberdade, promovendo o restauro dos processos naturais.
O Sorraia não é apenas uma raça autóctone do vale do Rio Sorraia, no Ribatejo. A espécie é, acima de tudo, o último vestígio do cavalo primitivo do Sul da Península Ibérica. É um animal selvagem extremamente resistente às condições ambientais, característica herdada, aliás, dos seus ancestrais.

A sua função enquanto herbívoro é considerada essencial para modelar a floresta e conservar as pastagens e áreas abertas, através do pastoreio natural. Ao fazer a gestão da biomassa, a espécie cria também mosaicos por entre a vegetação, diminuindo o perigo de fogos florestais e rurais.
A genética trouxe de volta o maior mamífero terrestre da Europa
Os tauros, por seu turno, são uma versão criada do extinto auroque, o descendente selvagem da vaca moderna. Com chifres longos e corpo maciço, foi outrora o maior mamífero terrestre da Europa, dado como extinto no século XVII devido à caça excessiva e perda de habitat.

O seu regresso ao Vale do Côa é o resultado de um trabalho de investigação de uma equipa de geneticistas da Fundação Taurus, nos Países Baixos, que pretende reintroduzir a espécie em diferentes habitats selvagens da Europa.
Um novo impulso para a natureza e para o turismo
Os bisontes-europeus, por seu turno, vieram de reservas da Floresta Estatal Polaca e da European Friends Society. Habitam agora uma área de 7600 hectares das Termas de Monfortinho e da Herdade do Vale Feitoso, no distrito de Castelo Branco.
O expectável é que ajudem o solo a fixar mais carbono na atmosfera, contribuindo ainda para reduzir a vegetação inflamável. Assim que a espécie se aclimatar ao novo ambiente, o público poderá vê-los, através de visitas guiadas organizadas por empresas da Rede Côa Selvagem.
Obstáculos que precisam ser ainda superados
Ao reintroduzir na natureza espécies-chave, a Rewilding Portugal espera criar as condições adequadas para promover o retorno de grandes herbívoros, necrófagos e predadores, como águias-imperiais, abutres, lobos e íbex-ibéricos ou o lince-ibérico.
Embora a região esteja protegida por um parque arqueológico com gravuras paleolíticas, no Norte do Côa, e uma reserva natural no Sul da serra da Malcata, as vedações, as propriedades privadas e a paisagem fragmentada são ainda um enorme obstáculo ao movimento dos grandes herbívoros.
Referências da notícia
A chegada dos Sorraias ao Grande Vale do Côa. Rewilding Portugal
Primeira libertação de Tauros no Grande Vale do Côa vai potenciar o pastoreio natural. Rewilding Portugal
Bisontes europeus chegam pela primeira vez a Portugal. Rewilding Portugal