Dia Mundial da Música. Descubra os incríveis poderes curativos desta arte

É sabido que ouvir música faz bem à alma, mas fique a conhecer igualmente os seus benefícios para combater inúmeras doenças e aumentar significativamente a nossa qualidade de vida.

Cérebro brilha ao ser exposto à musica
No combate à dor e ao stress ou ainda na aprendizagem, são muitos os impactos da música na saúde. Foto: Loaivat/Pixabay

Toda a gente ouve música e nem sequer são precisas provas científicas para sabermos como é capaz de acalmar, inspirar, despertar emoções ou reavivar boas memórias. O seu encanto, no entanto, vai muito além do conforto e entretenimento.

No Dia Mundial da Música, que se assinala esta quarta-feira, 1 de outubro, explore connosco os caminhos que a ciência tem vindo a percorrer para aproveitar o seu enorme potencial na melhoria da nossa qualidade de vida.

No tratamento de doenças cardiovasculares, no combate à dor, ao stress e ansiedade ou até na aprendizagem, são muitas as dimensões que podem vir a ganhar com os impactos que a música produz na saúde.

As implicações no sistema cardiovascular são, aliás, consensuais entre a comunidade científica. Um estudo conduzido na Universidade de Pavia, em Itália, por exemplo, apresentou evidências de que a música diminui a frequência cardíaca e a pressão arterial.

Os investigadores já chegaram mesmo a concluir que o ritmo lento da música clássica reduz a frequência cardíaca e a pressão arterial enquanto o batimento acelerado tem o efeito oposto. A música também influencia a regulação do fluxo sanguíneo, podendo, por isso, ajudar a combater o risco de acidentes cardiovasculares.

Melodias para acabar com a dor

As nossas canções preferidas, em especial, ajudam ainda a diminuir a perceção da dor física, como revelou mais uma investigação publicada na revista Frontiers in Pain Research. O que não surpreende, tendo em conta os seus efeitos já demonstrados na redução da tensão, da raiva, da fadiga, da ansiedade e da depressão.

Além do repouso, de uma alimentação adequada e medicação própria, ouvir música também pode ajudar na recuperação pós-cirúrgica.

Essa foi, pelo menos, a conclusão dos investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade Northstate da Califórnia, nos Estados Unidos. Ouvir música após a cirurgia – com auriculares ou nas colunas de som – teve vários efeitos positivos, incluindo níveis de dor mais reduzidos e diminuição da ansiedade e da frequência cardíaca.

O seu potencial é tão vasto que está também a ser estudado para melhorar a habilidade de comunicação de crianças autistas, no tratamento da epilepsia ou na promoção da saúde mental. A música, sobretudo a que nos é familiar e ritmicamente previsível, pode facilitar, inclusive, os processos de aprendizagem e de memorização, concluiu Yiren Ren, do Instituto de Psicologia da Geórgia, nos Estados Unidos, no estudo publicado na revista PLOS One.

Rapariga dança enquanto ouve música nos fones
A música não é só entretenimento, o seu impacto sente-se na redução da fadiga ou da ansiedade. Foto: Alyoshine/Pixabay

A mesma autora liderou, no verão de 2024, uma outra investigação, demonstrando como a música – em especial aquela com a qual temos uma forte ligação emocional - pode alterar a forma como recordamos acontecimentos traumáticos.

O trabalho, publicado na revista Cognitive, Affective, & Behavioral Neuroscience, será agora aprofundado num pós-doutoramento. O intuito é desenvolver terapias musicais para pacientes com depressão, transtorno bipolar, stress pós-traumático ou demência.

A viagem da música até ao cérebro

Tendo um efeito tão poderoso na saúde, vale a pena desmontar os seus mecanismos no interior do corpo humano. É uma viagem fascinante, que se inicia quando as suas vibrações entram no canal auditivo e são captadas pelo tímpano. Convertidas depois em sinais eletroquímicos, atravessam o nervo auditivo e alcançam o tronco cerebral.

Cirurgiões na sala de operações com paciente
A ciência demonstrou que ouvir música, após uma cirurgia, diminui a perceção da dor. Foto: Sasin Tipchai/Pixabay

Mas a informação recém-chegada ao cérebro não é mais do que barulho. Seria impossível, nesta fase, distinguir o trepidar da máquina de lavar da 9ª sinfonia de Beethoven.

A magia só acontece quando o córtex auditivo começa a interpretar a ressonância, o ritmo, o volume, o tom, o timbre e a harmonia, dando coerência ao ruído inicial e transformando a música numa experiência com múltiplas dimensões.

A musicoterapia nos hospitais e nas universidades

A ciência procura aprofundar o seu poder e a medicina tem vindo a beneficiar com essa investigação. Ao contrário da Áustria ou o do Reino Unido, países como Portugal, Luxemburgo ou Malta não reconhecem oficialmente a musicoterapia. Mas a falta de regulamentação não invalida que médicos, enfermeiros, psicólogos ou terapeutas do recorram a ela para acelerar a recuperação dos doentes.

No Centro Multidisciplinar de Dor Beatriz Craveiro Lopes, do Hospital Garcia de Orta, na cidade portuguesa de Almada, a música ajuda a combater tanto a dor aguda pós-operatória, como a dor crónica.

A equipa que acompanha os doentes inclui um musicoterapeuta a trabalhar com anestesiologistas, fisiatras, enfermeiros, psicólogos, entre outros. A música é utilizada em sessões de grupo ou em consultas individuais em que os pacientes tocam instrumentos para expressar os sentimentos.

O ensino superior, em Portugal, começa a estar atento a esta tendência, como é o caso do Instituto de Ciências Abel Salazar da Universidade do Porto. Além da poesia e da pintura, a instituição inclui ainda a disciplina de Medicina, Música e a Mente entre as unidades curriculares optativas do mestrado integrado em Medicina.

A Faculdade de Ciências da Saúde e Enfermagem, da Universidade Católica Portuguesa conta também com uma pós-graduação em Neurociências da Música destinado a professores de música, psicólogos, médicos, enfermeiros, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, musicoterapeutas, instrumentistas ou compositores.

Rapariga ouve música nos fones enquanto trabalha no computador
A música que nos é familiar e ritmicamente previsível pode facilitar processos de aprendizagem e de memorização Foto: Rawpixel.com/Adobe Stock

O intuito é fornecer um conhecimento integrado da música aplicada às neurociências, estudando as aplicações e as investigações mais atuais para melhorar as terapêuticas médicas.

A música, todavia, já é há muitos anos em Portugal uma companheira habitual dos pacientes em várias unidades de saúde. Com quase duas décadas de existência, a Associação Portuguesa de Música nos Hospitais, tem uma presença em 11 instituições, entre as quais o Hospital Dona Estefânia, em Lisboa ou Centro Materno Infantil do Norte, no Porto.

Uma equipa de dois músicos circula pelos corredores e quartos, levando um carrinho com instrumentos musicais. É o suficiente para fazer a festa entre profissionais, pacientes e familiares.

Estamos diante de uma área fértil de possibilidades e haverá ainda muito mais para estudar e implementar. Enquanto se aguarda por mais resultados, por que não ouve hoje um pouco de música pelo bem da sua saúde?

Referências da notícia

L. Bernardi, C. Porta & P. Sleight. Cardiovascular, cerebrovascular, and respiratory changes induced by different types of music in musicians and non-musicians: the importance of silence. BMJ Journals.

Cyrus Darki, Jennifer Riley, Dina P. Dadabhoy, Amir Darki & Jennifer Garetto. The Effect of Classical Music on Heart Rate, Blood Pressure, and Mood. Cureus Journal of Medical Science

Marina Deljanin Ilic, Radmila F Pavlovic, Gordana Kocic, Dejan Simonovic & Gordana Lazarevic. Effects of Music Therapy on Endothelial Function in Patients With Coronary Artery Disease Participating in Aerobic Exercise Therapy. PubMed

Darius Valevicius, Anaïs Lepine Lopez &Ajar, Diushekeeva. Emotional responses to favorite and relaxing music predict music-induced hypoalgesia. Frontiers in Pain Research

Tamara L. Goldsby, Michael E. Goldsby, & Paul J. Mills. Effects of Singing Bowl Sound Meditation on Mood, Tension, and Well-being: An Observational Study. Sage Journals

Megha Sharda, Carola Tuerk, Rakhee Chowdhury, Kevin Jamey, Nicholas Foster, Melanie Custo-Blanch, Melissa Tan, Aparna Nadig & Krista Hyde. Music improves social communication and auditory–motor connectivity in children with autism. Nature

M.R. Trimble, D. Hesdorffer, H. Hećimović & N. Osborne. Personalised music as a treatment for epilepsy. Epilepsy & Behavior

Daniel E. Gustavson, Peyton L. Coleman, John R. Iversen, Hermine H. Maes, Reyna L. Gordon & Miriam D. Lense. Mental health and music engagement: review, framework, and guidelines for future studies. Nature

Yiren Ren, Grace Leslie & Thackery Brown. Visual sequence encoding is modulated by music schematic structure and familiarity. PLOS One

Yiren Ren, Sophia Kaltsouni Mehdizadeh, Grace Leslie & Thackery Brown. Affective music during episodic memory recollection modulates subsequent false emotional memory traces: an fMRI study. Cognitive, Affective, & Behavioral Neuroscience

Há quase 30 anos a tratar a dor total dos utentes do Hospital Garcia de Orta. JustNews

Projeto Música nos Hospitais. Associação Portuguesa de Música nos Hospitais e Instituições de Solidariedade