A resiliência do porco alentejano: a história de uma raça quase extinta que é hoje um orgulho nacional

Criada entre azinheiras e sobreiros, a espécie autóctone detém um recorde inigualável de produtos com proteções europeias. O suíno do Alentejo é um guardião da natureza e um tesouro da nossa gastronomia.

Porco alentejano
O porco alentejano atravessou o império romano e a ocupação árabe, sendo hoje internacionalmente reconhecido pela sua autenticidade. Foto: Porco Alentejano/Página de Facebook

É longa a existência do porco de raça alentejana e a ligação que mantém aos montados do Alentejo. As suas raízes genéticas remontam ao javali doméstico mediterrânico. Durante a ocupação do Império Romano, na Península Ibérica, a sua saborosa e nutritiva carne já era transformada em presunto e enchidos muito apreciados, principalmente pelas classes endinheiradas.

Nos bosques repletos de azinheiras, sobreiros e carvalhos, os antepassados dos porcos alentejanos encontravam na bolota a base da sua alimentação para suportar invernos rigorosos e resistir aos verões quentes e escassos em alimentos. A espécie foi evoluindo ao longo dos séculos, adaptando-se ao clima e à paisagem da região.

Hoje, a criação desta raça está no centro da economia do Alentejo e a sua preservação é, acima de tudo, uma questão de orgulho e identidade para a região. A sua fama, aliás, atravessa fronteiras, sendo mundialmente reconhecida pela sua autenticidade.

Não é por acaso que acumula um recorde inigualável em Portugal de produtos com proteções europeias, com cinco denominações de origem protegida (DOP) e mais 23 indicações geográficas protegidas (IGP).

Os zeladores dos montados alentejanos

Mas, afinal, o que torna o porco de raça alentejana tão especial? Não há um, mas múltiplos fatores que fazem desta espécie autóctone uma das mais valorizadas na gastronomia portuguesa. Vivem, desde logo, em liberdade nos montados de azinho e sobro no outono e inverno.

Cada porco pode chegar a comer cerca de 10 kg de bolota e 2 kg de erva por dia. A alimentação tem uma estreita relação com a qualidade da sua carne. Ao consumir recursos alimentares renováveis, o porco do Alentejo ajuda também a manter a sustentabilidade destas pastagens.

Esta relação simbiótica com os montados de sobreiros e azinheira já foi largamente estudada, sobretudo por investigadores da Universidade de Évora. As pesquisas desenvolvidas nos últimos anos têm demonstrado que esta espécie está entre as que mais contribui para a regeneração do coberto arbóreo destas paisagens, ajudando ainda a valorizá-las como um bastião contra o abandono das zonas agrícolas desfavorecidas.

Vara de porcos alentejanos a pastar num montado de azinheiras
O porco do Alentejo ajuda a manter a sustentabilidade dos montados de sobreiros e azinheira. Foto: Universidade de Évora

Um animal com uma dieta saudável, durante o período de engorda nos montados de azinho e sobro, resulta também num produto com um riquíssimo valor nutricional para os humanos.

Está igualmente comprovado que o consumo moderado desta carne contribui favoravelmente para a regulação do colesterol, com consequências benéficas na prevenção das doenças cardiovasculares. A gordura do porco alentejano contém 57% de ácido oleico, aproveitada da bolota, que, tal como a azeitona, é rica em gordura monoinsaturada, considerada a melhor de todas.

O declínio e a recuperação da espécie

A produção e consumo do porco de raça alentejana tem uma longa tradição. Atravessou a civilização romana, resistiu ao período de ocupação árabe e atingiu o apogeu no século XIX. Na segunda metade do século XX, estava ainda entre as espécies suínas com maior relevo para a economia regional - mais de 50% do consumo tinha como origem os animais criados nos montados do Alentejo.

Até aos anos 50 do século passado, os porcos que se produziam no Alentejo eram praticamente os pretos alentejanos. O declínio da espécie começou nas décadas seguintes, sobretudo a partir dos anos de 1970. Uma variedade de fatores contribuiu para o animal ficar à beira da extinção.

O aparecimento de raças de crescimento rápido, produtoras de mais carne e menos gordura, a alteração dos hábitos dos consumidores para uma alimentação menos gorda, a diminuição da área do montado e a sua substituição pela agricultura ou ainda sucessivas pestes suínas, levaram ao desaparecimento quase total da espécie.

A criação destes animais limitou-se a um grupo restrito de produtores do Alentejo que se recusou a abandonar a raça. Com a ajuda de académicos das universidades portuguesas e contando ainda com as proteções da União Europeia, os criadores conseguiram, a partir dos anos de 1990, recuperar a reputação da espécie e inverter o seu declínio.

bolotas na árvore
A gordura do porco alentejano tem 57% de ácido oleico, aproveitada da bolota, que é rica em gordura monoinsaturada, considerada a melhor de todas. Foto: Pixabay

O porco alentejano é, atualmente, a raça suína autóctone portuguesa com maior expressão no país: 5370 fêmeas e 351 machos, em 133 explorações, segundo os números da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (2018). Não significa isto que o que o porco alentejano está inteiramente salvaguardado. Investigadores e criadores advertem que o esforço terá de continuar, se quisermos preservar um autêntico tesouro nacional.

Referências do artigo

Rui Charneca, José Martins, Amadeu Freitas, José Neves, José Nunes, Hugo Paixim, Pedro Bento, Nina Batorek-Lukac, Nina. "Alentejano Pig in European Local Pig Breeds - Diversity and Performance”. IntechOpen

Rui Charneca, José Luis Tirapicos Nunes e Jean Le Dividich. “Comparative study on colostrum production and colostrum composition in alentejano swine breed and LWxLR sows”. Repositório da Universidade de Évora

Rui Charneca. “Porco de Raça Alentejana, o Rei do Montado”. Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento. Universidade de Évora.