Superglaciações: episódios 'Terra bola de neve'

Graças aos estudos paleoclimáticos, pensa-se que várias vezes ao longo da história geológica da Terra surgiram superglaciações, também conhecidas como eventos de Terra Branca ou bola de neve, nos quais a totalidade da superfície terrestre ficou coberta de neve e gelo.

Terra bola de neve
Recriação de uma Terra coberta de neve e gelo praticamente na sua totalidade, tal como se acredita que ocorreu nalgumas ocasiões ao longo da história do planeta. A presença de algumas zonas abertas de água líquida pode ter sido a chave na sobrevivência de alguns microorganismos, evitando-se assim a extinção total da vida na Terra. © SPL (Space Propulsion Laboratory).

Apesar de nenhum de nós, seres humanos, que habitamos a Terra tenhamos realmente vivido uma, todos temos uma imagem mental do que é uma glaciação. É um período particularmente frio na Terra, cuja duração pode variar entre 40.000 e 100.000 anos. Durante todo este tempo, as grandes massas de gelo e neve não ficaram confinadas às regiões polares, mas sim, acabaram por se estender para latitudes mais baixas, cobrindo uma porção significativamente grande da superfície terrestre. A última glaciação terminou há 12.000 anos atrás, então agora estamos num período interglacial, de clima relativamente benigno.

Agora estamos numa era glacial. Na Terra existem camadas polares e nem sempre estiveram presentes ao longo da sua história geológica.

Tendo em conta a nomenclatura, uma glaciação é equivalente a um período glacial ou a uma idade de gelo; o que não é correto é referir-se a uma glaciação como uma era glacial, já que neste caso o período de tempo que abarca é muito maior; não de uns quantos milhares de anos, mas sim de milhões de anos. Na atualidade – no marco do aquecimento global no qual estamos–, ainda que seja pouco intuitivo, estamos numa era glacial. Na Terra existem camadas polares, coisa que nem sempre ocorreu ao longo da história geológica do planeta. De facto, durante a maior parte dessa longa história, os períodos quentes dominaram claramente sobre os frios, ainda que alguns destes últimos tenham sido muito destacados.

Planície gelada na Antártida
Desertos de gelo, como os que na atualidade existem na Antártida (na imagem) ou Gronelândia, puderam ser a paisagem dominante durante cada um dos períodos de Terra Branca ou Bola de neve que ocorreram no nosso planeta.

A Paleoclimatologia é a ferramenta com a qual os cientistas estudam os climas e as mudanças climáticas ocorridas no passado, se bem que esse trabalho detetivesco, baseado numa grande quantidade de técnicas da datação, não está isento de dificuldades. Qualquer conclusão acerca de como se comportou o clima terrestre há dezenas ou centenas de milhões de anos, é necessariamente especulativa. Assim devemos olhar para a teoria que estabelece que a Terra esteve pelo menos em quatro ocasiões coberta total ou quase totalmente de neve e gelo. Cada uma destas superglaciações, se conhece também como um episódio de Terra branca ou Terra bola de neve (Snowball Earth), e a sua erupção quase chegou a provocar a extinção total da vida na Terra.

Snowball Earth

Se remontarmos ao século XIX os primeiros estudos que permitiram deduzir a existência, em tempos muito remotos, de períodos nos quais a extensão dos mantos de gelo superou a que sabemos que ocorreu durante as glaciações do Quaternário, foi em 1998 quando se postulou formalmente a teoria da Terra bola de neve, a cargo dos investigadores da Universidade de Harvard (EE.UU.) Paul Hoffmann e Daniel Schrag. A hipótese deles baseou-se no descobrimento de vestígios de gelo em determinados estratos geológicos, correspondentes ao final do eón Proterozóico (Precâmbrico Superior).

Chegaram a datar até quatro superglaciações, nas quais a temperatura média global chegou a baixar até -50 ºC.

Esses restos de gelo primitivo foram encontrados por todo o planeta, o que sugere que tanto as zonas continentais como as oceânicas de toda a Terra (incluída a faixa equatorial) ficaram cobertas por uma grossa camada de gelo. A temperatura média global chegou a baixar até -50 ºC. Foram datadas até quatro dessas superglaciações ao longo de um período compreendido entre os 800 e os 550 milhões de anos antes do presente, durante um período batizado como Criogénico.

Modelos de Terra bola de neve
Três modelos da Terra bola de neve que projetam os paleoclimatólogos. Acima: o “oásis tropical”, no centro: o “mar equatorial”, e abaixo: a superglaciação com toda a Terra coberta de gelo. Fonte: snowballearth.org

Três modelos de Terra bola de neve

Existem até três modelos distintos da Terra bola de neve, cujos esquemas e dados principais se incluem na figura anexa. Um primeiro modelo –conhecido como “o oásis tropical” – projeta uma Terra não congelada na sua totalidade, senão com grandes massas de água oceânica livres de gelo. Há um segundo modelo –batizado como “o mar tropical”– que unicamente deixa sem cobertura de gelo a uma estreita faixa de oceano na zona equatorial. Finalmente, o terceiro modelo é o que mais se ajusta a uma superglaciação; nele, a superfície terrestre (tanto as áreas continentais como as oceânicas) congelam-se na sua totalidade, ficando somente água líquida nas profundezas dos oceanos.

O episódio que melhor parece ajustar-se a este último modelo de superglaciação ocorreu há uns 700 milhões de anos. Tanto neste como nos demais eventos ocorridos no Precâmbrico Superior e em épocas anteriores, o que o desencadeia é uma diminuição na concentração dos gases com efeito de estufa na atmosfera, com o CO2 e o metano à cabeça. O progressivo arrefecimento terrestre provoca a formação de quantidades cada vez maiores de gelo, cuja presença reforça cada vez mais o dito arrefecimento, devido ao aumento do albedo (mais quantidade de energia solar incidente refletida para o espaço).

Há uns 700 milhões de anos a diminuição de gases com efeito de estufa provocou um progressivo arrefecimento terrestre, que acabou por produzir o modelo mais severo de superglaciação.

Uma vez terminada a superglaciação, com presença de gelo em todas as latitudes terrestres, salvo nos redutos das águas tropicais, o caminho inverso, até à desglaciação, viria por parte da atividade vulcânica, que, aparte de aerossóis –que, como sabemos, contribuem para arrefecer– emitiriam enormes quantidades de CO2, que reforçariam o efeito de estufa, o que poderia elevar a temperatura à escala planetária. Nos próximos anos, de certeza que assistiremos à publicação de novos estudos paleoclimáticos que vão providenciar ou retirar peso à teoria das superglaciações.