Duas ideias inovadoras repensam a origem da matéria negra

Um físico teórico propõe duas ideias ousadas sobre a origem da matéria negra: um universo oculto com as suas próprias partículas ou partículas geradas no limite do cosmos, pouco depois da grande expansão inicial.

As galáxias movem-se de formas que a matéria visível não consegue explicar. A resposta pode estar na enigmática matéria negra.

A matéria negra é um dos maiores mistérios do cosmos. Não emite luz, não absorve radiação e não pode ser observada diretamente, mas a sua presença é inferida a partir dos efeitos gravitacionais que exerce sobre as galáxias e os enxames de galáxias.

Apesar de décadas de investigação, a natureza da matéria negra permanece desconhecida. Agora, o físico teórico Stefano Profumo, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, propôs duas hipóteses que oferecem explicações originais para a sua origem: uma sugere que existe um “mundo de espelhos” invisível ao olho humano; a outra, que a matéria negra emergiu dos mesmos limites do universo nos seus primeiros momentos.

Matéria negra: o que é e o que se sabe?

O termo “matéria negra” foi criado para explicar a falta de massa no Universo. As observações astronómicas mostram que a matéria visível (estrelas, planetas, gás e poeira) não é suficiente para explicar a velocidade a que as galáxias giram e a forma como se agrupam.

De acordo com as estimativas mais aceites, cerca de 85% do conteúdo do Universo é matéria escura, assim designada por ser matéria que não interage com a luz.

No entanto, nenhuma experiência foi capaz de a detetar diretamente. Não parece interagir com a luz ou com as forças eletromagnéticas, e a sua presença só pode ser inferida através da gravidade. Na ausência de provas, os cientistas estão a explorar ideias cada vez mais criativas para compreender a sua origem e composição.

Um negro "mundo de espelhos"

A primeira das teorias de Profumo descreve um setor oculto do universo, um “mundo espelhado” composto por partículas análogas às partículas conhecidas - como os eletrões, os quarks ou os gluões - mas que interagem sobretudo entre si e com a matéria visível apenas através da gravidade.

Os quarks são partículas que se combinam para formar partículas maiores, como os protões e os neutrões, enquanto os gluões são partículas que medeiam a força que une os quarks.

Neste cenário, nos primeiros momentos após o Big Bang, estas partículas escuras teriam experimentado uma física semelhante à do nosso universo visível. Poderiam ter-se combinado em “bariões escuros” e, sob certas condições, colapsado em objetos ultra-compactos semelhantes a pequenos buracos negros, com massas próximas da escala de Planck.

Estes “antepassados” escuros seriam extremamente estáveis e poderiam constituir a matéria negra atual. A ideia é atraente porque se baseia em leis da física bem conhecidas, mas aplicadas a uma área que não podemos ver. A confirmar-se, este mundo de espelhos abriria a porta a um universo paralelo, tão real como o nosso, mas completamente invisível.

Matéria negra a emergir do horizonte cósmico

A segunda proposta afasta-se da ideia de partículas pré-existentes e centra-se num fenómeno quântico ligado à expansão do universo. Após a expansão cósmica, o Universo pode ter passado por uma outra fase de expansão acelerada, menos extrema, mas suficiente para que o seu horizonte cósmico funcionasse como um “horizonte térmico”.

Na física quântica, os horizontes (semelhantes aos buracos negros) podem produzir partículas através de processos semelhantes à radiação Hawking. Profumo sugere que o horizonte do universo primitivo pode ter emitido partículas que, ao sobreviverem até aos dias de hoje, constituiriam a matéria negra.

O que é fascinante nesta hipótese é que não requer qualquer interação adicional para além da gravidade. É o próprio espaço-tempo em expansão que gera a matéria negra, tornando o universo primitivo numa verdadeira “fábrica quântica” de partículas invisíveis.

Em ambas as teorias, embora especulativas, existe a possibilidade de as testar. Os objetos compactos do mundo-espelho poderiam ser detetados indiretamente através de ondas gravitacionais, enquanto o modelo do horizonte cósmico poderia deixar vestígios na estrutura em grande escala do Universo ou na distribuição dos elementos formados após o Big Bang.

Embora ainda estejam longe de serem confirmadas ou excluídas, estas ideias mostram que, mesmo num domínio tão esquivo como o da matéria negra, a criatividade científica continua a abrir novos caminhos para a compreensão dos segredos mais profundos do cosmos.

Referência da notícia

- Profumo, S. (2025). Dark matter from quasi–de Sitter horizons. Physical Review D, 112(2), 023511.

- Profumo, S. (2025). Dark baryon black holes. Physical Review D, 111(9), 095010.

-UC Santa Cruz. New theories on dark matter’s origins point to ‘mirror world’ and universe’s edge.