Rios do Ártico estão a oxidar: o fenómeno alarmante para cientistas do Alasca

No Alasca os rios estão a ficar com uma cor laranja brilhante, um fenómeno surpreendente que alarmou os cientistas, mas que já têm uma teoria que pode explicar essa oxidação.

Rios do Ártico estão a oxidar: um fenómeno alarmante para cientistas do Alasca. Créditos: MYL Studio.

Nos últimos anos dezenas de cursos de água na Cordilheira Brooks, um canto remoto e intocado do norte do Alasca, passaram de um azul cristalino para um laranja turvo, visível até mesmo do espaço. Investigadores que sobrevoavam a área de avião, inicialmente estudando outra coisa — o lento avanço de árvores no que antes era tundra, um indício de alterações climáticas rápidas — ficaram surpreendidos ao descobrir ferro aparentemente a emanar dos rios e concentraram as suas investigações nisso.

A água tem um tom laranja profundo que lembra a drenagem ácida de minas, embora não haja atividade de mineração nessas bacias hidrográficas. Isto, naturalmente, despertou o interesse do biólogo Patrick Sullivan, que notou esta mudança impressionante na cor da água enquanto investigava alterações na linha de vegetação arbórea da Cordilheira Brooks.

Análises de campo detetaram elevadas concentrações de metais dissolvidos, incluindo ferro, alumínio, cádmio e, nalguns casos, zinco, bem como níveis de pH muito baixos (em torno de 2 a 3), condições tóxicas para a vida aquática. O fenómeno já foi observado em mais de 75 rios e riachos, e centenas de “nascentes ácidas” que libertam minerais em áreas húmidas e cursos de água foram identificadas.

A hipótese dos rios laranja fluorescentes do Ártico

Segundo investigadores, o aquecimento do Ártico está a descongelar o permafrost e a expor rochas ricas em sulfeto (como a pirita) ao oxigénio e à água. Esta combinação desencadeia reações que geram ácido sulfúrico e libertam metais, com o ferro a oxidar e a precipitar como hidróxidos alaranjados que turvam a água e se depositam nos leitos e margens dos rios.

O aquecimento global está a derreter o permafrost no Alasca, expondo rochas que contêm sulfetos (pirita) e minerais de ferro ao oxigénio e à água, gerando ácido que dissolve e mobiliza metais. Este ferro, ao oxidar e precipitar, deixa os rios alaranjados.

Esta “ferrugem natural” pode deslocar-se por quilómetros, degradando a qualidade da água e habitats essenciais para peixes e macro-invertebrados dos quais dependem as comunidades locais e a vida selvagem. Em vários trechos, a concentração de metais dissolvidos aproximou-se dos níveis típicos de efluentes industriais, reforçando as preocupações com os impactos ecológicos e os riscos para o abastecimento de água.

A química da oxidação: ferro, pirita e acidez extrema

Quando as rochas sulfetadas são expostas ao ar e à água pela primeira vez, o enxofre oxida e forma ácido, diminuindo o pH. Nesse ambiente ácido, os minerais que contêm ferro dissolvem-se mais facilmente.

O ferro libertado flui rio abaixo como Fe(II) e Fe(III); quando reage com o oxigénio e o pH aumenta (devido à mistura com águas menos ácidas), ele precipita como óxidos e hidróxidos de ferro de cor laranja intensa, a “ferrugem” visível.

Geólogos e biogeoquímicos comparam este processo a uma drenagem ácida natural de rochas, impulsionada não pela mineração, mas pelo degelo do permafrost, que altera a hidrologia e expõe depósitos de pirita formados há milénios. Trata-se de uma mudança química rápida e persistente que pode transformar a composição química de rios inteiros em apenas algumas estações.

A combinação de pH extremo e metais solúveis explica tanto a cor laranja quanto a perda de biodiversidade observada em alguns afluentes.

A acidez não só mobiliza o ferro, como também lixivia outros metais (como alumínio e cádmio) que afetam a fisiologia dos peixes e dos organismos bentónicos. Em vários locais pesquisados, os investigadores documentaram uma grave degradação do habitat e episódios consistentes com colapsos locais das populações de peixes, o que desencadeia efeitos em cascata em toda a cadeia alimentar (incluindo predadores como os ursos).

A equipa de investigação também mapeou mais de 500 nascentes ácidas na tundra, que funcionam como "fábricas" localizadas de água ácida e metais, ligadas à rede de drenagem.

O congelamento acelera a libertação de ferro

Há um fator crucial para entender porque é que este problema se intensifica em regiões frias: a química do gelo não se comporta da mesma forma que a da água líquida. Experiências de laboratório realizados por D. Jeong e colaboradores mostraram que, em pH ácido (2–4), a dissolução de óxidos de ferro aprisionados no gelo é significativamente acelerada em comparação com a fase líquida, mesmo na ausência de luz.

O riacho Tukpahlearick é um dos muitos rios e riachos no remoto Alasca que recentemente adquiriram uma cor laranja brilhante. Crédito da foto: Taylor Roades para a NatGeo.

O mecanismo dominante é o “efeito de concentração por congelamento”: à medida que o gelo se forma, os solutos (protões, ligantes orgânicos e as próprias partículas) são excluídos do cristal e concentram-se em microcamadas ou contornos de grãos com água líquida.

O trabalho experimental ‘Accelerated dissolution of iron oxides in ice’ publicado na revista Atmospheric Chemistry and Physics, também mostrou que a principal razão pela qual os óxidos de ferro se dissolvem melhor no gelo do que na água líquida deve-se a um fenómeno chamado "efeito de concentração por congelamento".

Para melhor compreender isto, vamos imaginar o gelo não como um bloco sólido uniforme, mas com pequenas fronteiras ou caminhos líquidos entre os seus cristais, mesmo em temperaturas abaixo de zero. Quando a água congela, nem todos os seus componentes se integram na estrutura cristalina do gelo.

Em vez disso, partículas de óxido de ferro, ligantes orgânicos (moléculas orgânicas que podem ligar-se ao ferro) e protões (iões de hidrogénio que aumentam a acidez) concentram-se nessas pequenas regiões líquidas. Como todos estes elementos estão comprimidos num espaço tão confinado, as suas interações intensificam-se, acelerando consideravelmente a dissolução dos óxidos de ferro.

Se acrescentarmos a isto o facto de que o "efeito de concentração por congelamento" acelera a dissolução de óxidos de ferro em microambientes altamente ácidos, aumentando a libertação de ferro durante os ciclos de congelamento e descongelamento, a combinação destes processos explica a cor, a acidez e a deterioração ecológica observadas em várias bacias hidrográficas da Cordilheira Brooks.

Além disso, a investigação mostra que este efeito de dissolução intensificada diminui progressivamente à medida que a temperatura de congelamento cai de -10 °C para -196 °C. Isto sugere que a existência e a formação dessas regiões líquidas nos limites dos grãos de gelo são absolutamente essenciais para que esse processo ocorra.

Em temperaturas extremamente baixas, essas regiões líquidas tornam-se menos proeminentes ou desaparecem, reduzindo o efeito de concentração. Em conjunto, estas evidências sugerem que os ciclos de congelamento e descongelamento em solos frios promovem a mobilização de ferro de óxidos e sulfetos para a água intersticial e, subsequentemente, para os cursos de água. Este é precisamente o tipo de cenário de degelo do permafrost que está a tornar-se cada vez mais comum no Ártico.

Do laboratório à paisagem: um sistema que muda e se retroalimenta

No Alasca o aquecimento global está a intensificar os ciclos de congelamento e degelo, aprofundando a camada ativa (a camada superficial sazonalmente descongelada) e permitindo que a água alcance horizontes anteriormente selados por gelo perene. Os minerais recém-expostos concentram-se novamente em microbolsas de líquido dentro do gelo e, à medida que este derrete, libertam ferro e ácido nos sistemas de drenagem.

Este pulso ácido mobiliza mais metais e oxida o ferro, alimentando a coloração alaranjada rio abaixo. Vários especialistas alertam que este é um ciclo difícil de reverter: uma vez que os minerais se dissolvem e o sistema perde a sua "reserva" sólida, ele não se recupera rapidamente. A coloração é, portanto, a manifestação visível de uma alteração geoquímica mais profunda que progride com o clima.

Para as comunidades que dependem destes rios, os desafios são práticos e urgentes. O tratamento convencional da drenagem ácida de minas (comum na mineração) é caro e projetado para fontes pontuais, não para dezenas de nascentes difusas em bacias hidrográficas remotas. Além disso, se os níveis de pH caírem abaixo de 5 e permanecerem assim, muitas espécies não toleram essas condições, comprometendo a pesca de subsistência e os serviços ecossistémicos.

A prioridade científica atual é consolidar a monitorização, estabelecer linhas de base e compreender a variabilidade espacial e temporal das nascentes ácidas e a sua ligação com a dinâmica do permafrost, a fim de antecipar onde e quando novos episódios poderão ser desencadeados.

Referências da notícia

Jeong, D., Kim, K., Choi, W. "Accelerated dissolution of iron oxides in ice". Atmospheric Chemistry and Physics 12:11125–11133. (2012).

Parshley, L., et al. "Why are Alaska’s rivers turning bright orange? Scientists have a theory. National Geographic. (2025).