Eva Lopes mergulha no Ártico para estudar como a vida marinha se adapta às mudanças do clima

Investigadora do Porto ganhou a prestigiada bolsa Arctic Field Grante e vai estudar as respostas dos ecossistemas marinhos às alterações climáticas.

Eva Lopes no Ártico
Eva Lopes está a bordo do navio de investigação Jean Floc’h, de onde mergulha nas águas gélidas do Ártico para recolher amostras de genes, nutrientes e clorofila. Foto: Universidade do Porto

A estação científica de Ny-Ålesund, em Svalbard, no Norte da Noruega, é a mais setentrional do mundo. Quase uma centena de investigadores, de cerca de 20 instituições internacionais, trabalham aqui o ano inteiro, tentando compreender como está a mudar o clima na região acima do Círculo Polar Ártico.

O centro de investigação, equipado com laboratórios, tecnologias e ferramentas de última geração, é crucial para estudar áreas como a atmosfera, ecossistemas terrestres, biologia marinha, oceanografia ou glaciologia.

É nesta remota ilha norueguesa, onde as temperaturas podem atingir os 32 graus negativos, que Eva Lopes se encontra a trabalhar como investigadora principal.

Estudante de doutoramento em Ciência, Tecnologia e Gestão do Mar da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental, tem apenas 28 anos, mas já conquistou o Arctic Field Grant (AFG), a competitiva bolsa de 10 mil euros atribuída pelo Research Council of Norway a cientistas do mundo inteiro que estão ainda em início de carreira.

A urgência de estudar a região Ártica

Eva Lopes está a estudar como é que os ecossistemas marinhos nesta região irão responder a um ambiente em rápida transformação.

O Ártico está a aquecer cerca de quatro vezes mais depressa do que o resto do mundo. Em Svalbard, todavia, as temperaturas sobem ainda mais depressa - até sete vezes mais do que a média global, com consequências profundas nos biossistemas oceânicos.

Os cientistas estudam estas alterações há muito tempo. Os registos meteorológicos de Ny-Aalesund têm, por exemplo, mais de quatro décadas. Mas à medida que mudanças climáticas se intensificam, este trabalho assume uma maior urgência.

estação de Ny-Ålesund
A estação de Ny-Ålesund, em Svalbard, acolhe projetos de investigação de todo o mundo que visam monitorizar os sistemas árticos e as alterações globais. Foto: Harvey Barrison - Flickr: Ny-Ålesund_2013 06 07_3603, CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commosn

O que acontece aqui pode ter impactos na subida do nível do mar, nas tempestades na América do Norte e Europa, nas ondas de frio e calor, nas emissões de grandes quantidades de dióxido carbono, entre tantas outras dimensões.

O impacto do aquecimento nos ecossistemas marinhos

A investigação da cientista portuguesa está centrada nas alterações na dinâmica dos ecossistemas marinhos provocados pelo aquecimento. O seu trabalho está especialmente focado na entrada de matéria orgânica na água causada quer pelo degelo quer por mudanças na circulação oceânica.

Usando culturas de algas da região, a investigadora está a simular vários cenários de alteração de ecossistemas.

As comunidades microbianas têm processos metabólicos críticos para os habitats marinhos – são responsáveis pela decomposição da matéria orgânica, reciclagem de nutrientes ou degradação de poluentes.

As suas respostas à entrada de matéria orgânica vão afetar diretamente a eficiência destes processos, bem como a disponibilidade futura de nutrientes para novos ciclos de produção primária essenciais na síntese de matéria orgânica.

Ártico
O aquecimento no Ártico pode ter impactos profundos na subida do nível do mar, nas emissões de grandes quantidades de dióxido de carbono e nos padrões meteorológicos dos continentes europeu e americano. Foto: domínio público, via Pixnio

É muito importante por isso entender melhor os mecanismos de adaptação e interação microbiana em cenários simulados de mudança ambiental.

Com um pé no Porto e outro no frio polar

Não é a primeira vez que Eva Lopes faz as malas e parte, deixando a cidade do Porto para enfrentar as temperaturas gélidas do Ártico.

Em 2023, quando iniciou o doutoramento, participou pela primeira vez numa campanha de monitorização pelágica sazonal. A expedição consistiu essencialmente por recolher amostras de água do oceano ártico para estudar microalgas, nutrientes, fitoplâncton, zooplâncton, oxigénio e matéria orgânica.

Svalbard, Noruega
O arquipélago norueguês de Svalbard, entre a Europa continental e o Polo Norte, está a aquecer ainda mais rápido do que a restante região do Ártico. Foto: R. Henrik Nilsson, own work, CC BY 4.0, via Wikimedia Commons

Regressou no ano seguinte para participar numa expedição científica a bordo do navio de investigação Mirai, do Instituto Japan Agency Marine-Earth Science and Tecnology. Desta vez, a sua missão foi estudar os efeitos do aumento do fluxo de calor do Pacífico na diversidade e funções do plâncton nesta região.

Agora, com este projeto, a investigadora está a bordo do navio de investigação Jean Floc’h, de onde mergulha a cerca de 200 metros de profundidade para recolher amostras de genes, nutrientes e clorofila.

Os espécimes são depois analisados no laboratório da estação, mas grande parte do seu trabalho terá de ser realizado nas instalações do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental, em Matosinhos.

A sua investigação está, portanto, em constante evolução. Não será de estranhar, por isso, que venha a trocar mais vezes os verões quentes de Portugal pelo frio polar do Ártico.

Referência da notícia

Renata Silva / FCUP. Programa norueguês financia projeto de doutoranda da U.Porto no Ártico. Universidade do Porto