O papel da trovoada seca na ignição e propagação dos incêndios florestais em Portugal
A trovoada seca, caracterizada por raios sem precipitação, é um fator natural de ignição que potencia os incêndios florestais em Portugal, sobretudo em verões quentes e secos. Fique a saber mais aqui!

Os incêndios florestais constituem um dos principais riscos naturais em Portugal, com impactos severos no ambiente, na economia e na saúde pública. O nosso país, situado na faixa mediterrânica, apresenta verões quentes e secos, condições que favorecem a ocorrência e propagação do fogo.
Entre os fatores desencadeadores de ignições, destaca-se a trovoada seca, um fenómeno meteorológico associado a descargas elétricas atmosféricas sem precipitação significativa. A trovoada caracteriza-se pela formação de nuvens cumulonimbus com forte desenvolvimento vertical, capazes de gerar raios, trovões e, em condições normais, precipitação.
No entanto, quando a atmosfera apresenta elevada instabilidade térmica e baixo teor de humidade nas camadas inferiores, a chuva que se forma nas nuvens evapora antes de atingir o solo. Este fenómeno, conhecido como virga, resulta em trovoadas com descargas elétricas mas sem chuva efetiva à superfície. A descarga elétrica atmosférica, ao atingir a vegetação seca, pode provocar ignições.
A ausência de precipitação impede a extinção natural das chamas, tornando a trovoada seca um fator de risco elevado para incêndios florestais, sobretudo em ambientes mediterrânicos sujeitos a secas prolongadas.
Contexto climático e geográfico de Portugal
Portugal apresenta um clima mediterrânico, caracterizado por verões quentes, secos e prolongados, com défice hídrico acentuado entre junho e setembro. Estas condições favorecem a secagem da biomassa florestal e aumentam a inflamabilidade dos combustíveis vegetais.
Adicionalmente, a topografia acidentada, especialmente no centro e norte do país, contribui para a rápida propagação do fogo. As serras da Estrela, Lousã e Gerês, por exemplo, reúnem condições de elevada carga combustível, declives acentuados e frequentes descargas atmosféricas, fatores que potenciam o impacto das trovoadas secas.
Relação entre trovoada seca e incêndios
O papel da trovoada seca nos incêndios é duplo: atua como agente de ignição e como potenciador da propagação. Em primeiro lugar, os raios podem originar focos múltiplos de incêndio em áreas extensas, dificultando a resposta operacional das equipas de combate.
Em segundo lugar, a instabilidade atmosférica que acompanha as trovoadas pode gerar ventos fortes e irregulares, que aumentam a velocidade de propagação das chamas.
A literatura científica demonstra que os incêndios causados por trovoadas secas apresentam, frequentemente, uma maior dimensão e complexidade. Isto deve-se ao facto de surgirem em locais remotos e de difícil acesso, onde a deteção precoce é mais difícil e a intervenção mais demorada.
Evidência recente em Portugal
Os grandes incêndios registados em Portugal em 2003, 2017 e 2022 ilustram a importância do fenómeno. Em junho de 2017, por exemplo, uma trovoada seca esteve associada ao incêndio de Pedrógão Grande, que resultou em mais de 60 vítimas mortais.

Embora múltiplos fatores tenham contribuído para a tragédia, incluindo acumulação de combustível, condições meteorológicas extremas e deficiências no sistema de resposta, a ignição inicial foi atribuída a descargas elétricas atmosféricas.
Atualmente, Portugal vive uma das piores temporadas de incêndios em anos, com cerca de 75 000 hectares destruídos desde o início do ano. E, embora a trovoada seca seja históricamente associada a incêndios, nas notícias recentes não há menção específica de trovoadas secas terem causado os incêndios de agosto de 2025 em Portugal.
Contudo, as condições meteorológicas que favorecem trovoadas secas (verão quente e seco, baixa humidade) também criam um ambiente propício para a ignição dos fogos, seja por causas naturais (como raios) ou humanas (como negligência ou fogueiras).
Alterações climáticas e perspetivas futuras
Os modelos climáticos projetam para Portugal um aumento da frequência e intensidade de ondas de calor, bem como uma maior irregularidade das precipitações.
Este cenário aumenta a probabilidade de ocorrência de trovoadas secas, pois a atmosfera torna-se mais propícia à formação de nuvens convectivas com precipitação evaporada antes de atingir o solo.
Assim, prevê-se que, nas próximas décadas, a trovoada seca desempenhe um papel ainda mais central na ocorrência de incêndios florestais em Portugal, potenciando episódios extremos e desafiando os sistemas de prevenção e combate.