De Pombal para o mundo: uma nova borboleta descoberta na Mata de Leiria

Por entre a devastação do incêndio florestal de 2017, os investigadores da Universidade do Porto descobriram uma nova espécie de inseto protegida por bolsas de vegetação que resistiram ao fogo.

Monochroa monellii
A Monochroa monellii é uma criatura de hábitos noturnos que não se deixa avistar ou apanhar facilmente. Foto: André Lameirinhas/Universidade do Porto

O grande incêndio de outubro de 2017 na Mata Nacional de Leiria devastou mais de 80% da área florestal. Foi uma perda incalculável para a biodiversidade em Portugal e que ainda hoje está por reparar.

Por entre a devastação, no entanto, sobraram uns quantos hectares densamente arborizados que continuam a proteger várias espécies de animais e plantas.

Num desses pedaços de terra que resistiu ao fogo, Sónia Ferreira, Martin Corley, e Jorge Rosete encontraram uma raridade. Nas imediações da Lagoa de São José, no concelho de Pombal, os investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO), da Universidade do Porto, descobriram uma borboleta noturna nunca descrita para qualquer parte do mundo.

morrião-das-areias
O morrião-das-areias, que cresce em zonas arenosas do litoral, é a planta onde a Monochroa monellii faz o seu casulo. Foto: Parque Biológico de Gaia

A descoberta, publicada na revista Nota Lepidopterologica, é resultado de quase quatro anos de busca intensiva. Na margem de um estradão florestal que atravessa a Mata Nacional do Urso, os biólogos instalaram algumas dezenas de pontos de luz ao longo da área amostrada, que permitiram detetar e capturar diversos espécimes sujeitos a análise laboratorial.

A arte da camuflagem na vegetação rasteira

Batizada com o nome científico Monochroa monellii, a nova espécie mede entre os 8 e os 10 milímetros e tem um padrão de cores pouco vistoso, sendo por isso difícil de detetar no seu habitat.

Como se trata de uma criatura de hábitos noturnos, está escondida durante o dia na vegetação rasteira, usando os seus tons pardos para se camuflar na natureza. Só quando perturbada, denuncia a sua localização, mas, por ser tão pequena, escapa velozmente, tornando a sua captura num verdadeiro desafio.

Casulos protegidos por morriões-das-areias

Monochroa monellii, o nome que lhe foi atribuído, está diretamente relacionado com a planta onde está hospedada. “Após insistentes trabalhos de campo foi possível estabelecer uma estreita relação entre este inseto e o morrião-das-areias (Anagallis monelli)”, contam os investigadores no comunicado da Universidade do Porto.

Trata-se de uma pequena herbácea com flores de um azul vivo abundante nas zonas arenosas do litoral. Embora não tenham encontrado sinais de larvas nas folhas da planta, em diversos exemplares recolhidos observou-se a presença de pequenos túneis de seda adjacentes à zona do caule, junto à raiz.

Nessas pequenas galerias foram encontradas pupas - estágio intermediário na metamorfose de borboletas - cujos ocupantes, viria a descobrir-se, pertenciam à nova espécie.

Ao combinarem a análise da morfologia com técnicas genéticas, a equipa conseguiu identificar “o carácter biológico único desta espécie”, que se demarca de outras similares anteriormente registadas.

A distribuição da espécie nas zonas do litoral

Não sendo a planta hospedeira uma espécie ameaçada e ocorrendo noutros locais do país, os cientistas estão convencidos de que será muito provável encontrar a nova borboleta também noutros habitats da linha costeira.

A crescente pressão urbanística sobre o litoral, todavia, pode ser uma ameaça à sua sobrevivência. Importa, como tal, cartografar com maior precisão qual é, afinal, a sua distribuição no território e em que estado se encontram as suas populações, advertem os especialistas.

Repensar a estratégia de prevenção de fogos

Outra ameaça não só para esta espécie, mas para muitas outras que sobrevivem nestas bolsas florestadas da Mata de Leiria, são as ações de controlo de potenciais fonte de ignição que visam prevenir os fogos florestais.

Mata do Urso, Pombal
A Monochroa monellii foi encontrada na Mata Nacional do Urso, em Pombal. Foto: Jorge Rosete/Universidade do Porto

“Num afã de reduzir a massa arbustiva adjacente aos núcleos florestados por se considerar que ela constitui, por si só, uma fonte facilmente propagadora do fogo, são atualmente conduzidas verdadeiras operações de raspagem do solo que ameaçam a integridade destes microhabitats”, denunciam os investigadores.

A forma como a prevenção de incêndios está a ser conduzida – criticam – está a comprometer a capacidade de regeneração do coberto herbáceo e arbustivo e, por arrasto, a viabilidade das espécies de fauna que aí se alojam como é o caso da Monochroa monellii.

A equipa do CIBIO-InBIO espera, por isso, que esta descoberta possa promover também uma reflexão crítica acerca do modo como neste momento estão a ser encaradas as áreas ditas incultas e tantas vezes confinantes com outras de maior estatuto em virtude do seu valor económico.

Referência da notícia

Jorge Rosete, Sónia Ferreira & Martin Corley. Monochroa monellii (Lepidoptera, Gelechiidae), a new species from Portugal. Nota Lepidopterologica