As fontes termais do Japão podem conter pistas sobre a origem da vida na Terra
Estas descobertas mostram de que forma a vida se adaptou antes da fotossíntese e remodelou o planeta, podendo também orientar a procura de vida noutros planetas. Saiba mais aqui!

Há milhares de milhões de anos, a atmosfera terrestre era hostil, com quase nenhum oxigénio e condições tóxicas para a vida. Investigadores do Instituto de Ciências da Terra e da Vida estudaram as fontes termais ricas em ferro do Japão, que imitam os oceanos antigos, para descobrir como sobreviveram os primeiros micróbios. Identificaram comunidades de bactérias que prosperavam com ferro e pequenas quantidades de oxigénio, formando ecossistemas que reciclavam elementos como o carbono, o azoto e o enxofre.
A Terra nem sempre foi o mundo azul-esverdeado que conhecemos hoje: os níveis de oxigénio da Terra primitiva eram cerca de um milhão de vezes mais baixos do que os que vivemos hoje. Não havia florestas nem animais. Para os organismos antigos, o oxigénio era tóxico. Como era a vida nessa época?
A evolução da adaptação das formas de vida na Terra
Um estudo recente liderado por Fatima Li-Hau (aluna de pós-graduação do ELSI à data da investigação), juntamente com o Professor Associado supervisor Shawn McGlynn (à data da investigação) do Instituto de Ciências da Terra e da Vida (ELSI) do Instituto de Ciências de Tóquio, Japão, explora esta questão examinando fontes termais ricas em ferro que imitam a química dos antigos oceanos da Terra na altura de uma das mudanças mais drásticas da Terra: a oxigenação da atmosfera.

As suas descobertas sugerem que as primeiras comunidades microbianas utilizavam ferro, juntamente com o oxigénio libertado pelos micróbios fotossintéticos, para obter energia, revelando um ecossistema de transição onde a vida transformava um resíduo de um organismo numa nova fonte de energia antes da fotossíntese se tornar dominante.
Grande Evento de Oxigenação da Terra
O Grande Evento de Oxigenação (GOE) ocorreu há cerca de 2,3 mil milhões de anos e marcou o aparecimento do oxigénio atmosférico, provavelmente desencadeado por cianobactérias verdes que utilizavam a luz solar para dividir a água, convertendo posteriormente o dióxido de carbono em oxigénio através da fotossíntese.
O resultado é que a atmosfera atual é composta por cerca de 78% de azoto e 21% de oxigénio, existindo apenas vestígios de outros gases, como o metano e o dióxido de carbono, que podem ter desempenhado um papel mais importante antes do aparecimento do oxigénio. O GOE mudou fundamentalmente o rumo da vida na Terra. Esta elevada quantidade de oxigénio permite-nos, a nós animais, respirar, mas também complica a vida de formas de vida antigas, que quase desconheciam a molécula de O2. Compreender como estes micróbios antigos se adaptaram à presença de oxigénio continua a ser uma questão importante.
As fontes termais japonesas podem ter a resposta
Para responder a esta questão, a equipa estudou cinco fontes termais no Japão, ricas em químicos variados da água. Estas cinco fontes (uma em Tóquio, duas nas prefeituras de Akita e Aomori) são naturalmente ricas em ferro ferroso (Fe2+). São raras no mundo atual, rico em oxigénio, porque o ferro ferroso reage rapidamente com o oxigénio e transforma-se numa forma insolúvel de ferro férrico (Fe3+). Mas nestas fontes, a água ainda contém níveis elevados de ferro ferroso, baixos níveis de oxigénio e um pH quase neutro, condições que se pensa assemelharem-se a partes dos oceanos da Terra primitiva.
Shawn McGlynn, que orientou Li-Hau durante a sua dissertação.
Em quatro das cinco fontes termais, a equipa encontrou bactérias microaerofílicas oxidantes de ferro como os micróbios dominantes. Estes organismos prosperam em condições de baixo oxigénio e utilizam o ferro ferroso como fonte de energia, convertendo-o em ferro férrico. As cianobactérias, conhecidas por produzir oxigénio através da fotossíntese, também estavam presentes, mas em números relativamente pequenos. A única exceção foi uma das fontes termais de Akita, onde os metabolismos não baseados em ferro foram surpreendentemente dominantes.

Recorrendo à análise metagenómica, a equipa reuniu mais de 200 genomas microbianos de alta qualidade e utilizou-os para analisar detalhadamente as funções dos micróbios na comunidade. Os mesmos micróbios que acoplaram o metabolismo do ferro e do oxigénio converteram um composto tóxico numa fonte de energia e ajudaram a manter as condições que permitiram a persistência de anaeróbios sensíveis ao oxigénio.
Estas comunidades realizaram processos biológicos essenciais, como o ciclo do carbono e do azoto, e os investigadores encontraram também evidências de um ciclo parcial do enxofre, identificando genes envolvidos na oxidação do sulfureto e na assimilação do sulfato. Dado que as fontes termais continham muito poucos compostos de enxofre, esta foi uma descoberta surpreendente. Os investigadores propõem que isto pode indicar um ciclo "críptico" do enxofre, onde os micróbios reciclam o enxofre de formas complexas que ainda não são totalmente compreendidas.
Este estudo deu origem a várias conclusões acerca da vida na Terra
A investigação sugere uma mudança na nossa compreensão dos ecossistemas primitivos, mostrando que os micróbios podem ter aproveitado a energia da oxidação do ferro e do oxigénio produzido pelos fototróficos primitivos. O estudo propõe que, à semelhança destas fontes termais, os ecossistemas da Terra primitiva eram compostos por diversos micróbios, incluindo bactérias oxidantes de ferro, anaeróbios e cianobactérias, convivendo entre si e modulando as concentrações de oxigénio.
Juntos, estes insights aprofundam a nossa compreensão da evolução inicial da vida na Terra e têm implicações para a procura de vida noutros planetas com condições geoquímicas semelhantes às da Terra primitiva.
Referência da notícia
Fatima Li-Hau, Mayuko Nakagawa, Takeshi Kakegawa, L.M. Ward, Yuichiro Ueno, Shawn Erin McGlynn. Metabolic Potential and Microbial Diversity of Late Archean to Early Proterozoic Ocean Analog Hot Springs of Japan. Microbes and Environments (2025).