O cagarro é oficialmente o mais recente bioindicador de poluição marinha por plásticos!

A ave mais emblemática dos Açores vai ajudar Portugal, Espanha e Cabo Verde a monitorizar a disseminação dos detritos plásticos no Atlântico.

Cagarro sobrevoa o mar
O cagarro vai ser utilizado para monitorizar o lixo marinho em regiões como Açores, Madeira ou Canárias. Foto: Hobbyfotowiki, CC0, via Wikimedia Commons

O cagarro (Calonectris borealis) é o mais recente bioindicador de poluição marinha por plástico a ser oficialmente reconhecido na Convenção para a Proteção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (OSPAR).

A iniciativa partiu de Portugal, que propôs a espécie como indicador biológico a ser utilizado no Atlântico Nordeste, incluindo nas regiões autónomas e no território continental.

Segundo o comunicado do Governo Regional dos Açores, a proposta foi aprovada na reunião ministerial da OSPAR, realizada em Vigo na primeira semana de julho. A decisão, para a Secretaria Regional do Mar, representa não só uma conquista científica e técnica, mas também uma oportunidade de cooperação com outras áreas da Macaronésia, nomeadamente Madeira, Canárias e Cabo Verde.

A partir de agora, Portugal, Espanha e Cabo Verde poderão unir esforços para assegurar uma monitorização mais eficaz da poluição por plásticos numa das regiões do Atlântico com maior diversidade de espécies.

Um símbolo para os açorianos

Abundante na Macaronésia - grupos de ilhas e arquipélagos no Atlântico Norte, perto da Europa e da África - os cagarros são aves pelágicas, passando grande parte da sua vida no mar. Vêm apenas a terra na altura de reprodução, para fazerem os ninhos, acasalarem, incubarem os ovos e alimentarem as crias.

Ninho e cria de cagarro
O arquipélago dos Açores alberga 75% da população mundial de cagarros. Foto: Steinort, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

O cagarro pertence a um grupo formado por diversas espécies de aves marinhas, que inclui os albatrozes, as pardelas ou os painhos. É a espécie mais característica dos Açores e considerada uma das mais antigas do planeta, com milhões de anos.

O arquipélago açoriano, aliás, alberga cerca de 75% da população mundial. Estas aves começam a chegar aos Açores a partir de fevereiro do Atlântico Sul. Vindo de países como Brasil e África do Sul, a sua chegada é vista como um bom presságio para os açorianos pois marca a chegada da primavera.

Mais de 90% das crias têm plástico no estômago

Em abril deste ano, o Instituto Okeanos, da Universidade dos Açores, publicou um estudo na revista científica Environment International, dando conta de que mais de 90% dos filhotes de cagarro, em Portugal e em Espanha, já têm plástico quando ainda estão nos ninhos.

As crias analisadas ainda não se alimentavam por si próprias, o que significa que os plásticos encontrados no estômago foram transferidos pelos progenitores durante a sua alimentação.

Esta foi a investigação que levou os cientistas a propor que a espécie fosse usada como um bioindicador da contaminação plástica no Atlântico Norte.

Pertencendo à família dos Procellariiformes, a espécie acumula grandes concentrações de partículas de plástico por causa da morfologia do tubo digestivo. Ao contrário das gaivotas, por exemplo, os cagarros não conseguem regurgitar os detritos não digeridos. O plástico fica, portanto, alojado no estômago.

A informação recolhida durante o estudo sugere que as aves açorianas são capazes de monitorizar alterações na composição das partículas de plástico a flutuar no Giro Subtropical do Atlântico Norte.

Jovem cagarro
O cagarro não digere o plástico que, por isso, fica alojado no seu estômago. Foto: Coimbra68, CC BY-SA 2.5, via Wikimedia Commons

Os resultados indicaram, inclusive “uma maior contaminação nas zonas de alimentação do Noroeste de África, perto das Canárias”, destacando a pesca como uma fonte potencial de lixo marinho naquela região.

Os autores defenderam que o cagarro deve ser usado como um indicador dos níveis de poluição no Atlântico Norte, podendo essa função ser valiosa para ajudar os governos e as autoridades a implementar programas de monitorização e de descontaminação dos oceanos.

Até agora, o fulmar do Norte (Fulmarus glacialis) era a única espécie na Europa utilizada como um indicador em programas de monitorização. Estando ausente em latitudes mais a sul, os países como Portugal e Espanha não podem beneficiar dessa vantagem.

O vigilante do Atlântico Sul

O cagarro é agora o indicador biológico que irá cobrir as zonas marítimas mais a sul da Europa, permitindo traçar a evolução da poluição plástica nos mares e determinar ações mais direcionadas e eficazes.

Cagarro
Até agora, o Atlântico Sul não podia contar com nenhuma espécie para monitorizar a poluição plástica. O cagarro veio colmatar esta lacuna. Foto: José Luís Ávila Silveira/Pedro Noronha e Costa, domínio público, via Wikimedia Commons

A proposta, liderada pela Secretaria Regional do Mar e das Pescas do Governo dos Açores, contou com o apoio científico do Instituto de Investigação em Ciências do Mar OKEANOS, da Universidade dos Açores. Trata-se, no fundo de uma iniciativa que resultou de um projeto de monitorização iniciado em 2015, no âmbito da campanha de ciência-cidadã “SOS Cagarro, reconhecida internacionalmente.

Além do cagarro como bioindicador, foi também aprovado um novo limiar de avaliação ambiental (‘threshold’): no máximo 20% das aves analisadas deverão conter mais de quatro partículas de plástico nos estômagos, com base numa amostra mínima de 200 aves juvenis recolhidas ao longo de cinco anos consecutivos.

Referências da notícia

Aprovado novo bioindicador de lixo marinho com cagarro a assumir papel-chave. Governo Regional dos Açores

Yasmina Rodríguez, Airam Rodríguez, Willem M.G.M. van Loon, João M. Pereira, João Frias, Emily M. Duncan, Sofia Garcia, Christopher K. Pham, Et al. Cory's shearwater as a key bioindicator for monitoring floating plastics. Environment International