O aumento das temperaturas está a afetar profundamente o tamanho e dispersão dos insetos: descubra como!

O aquecimento global está a afetar profundamente os insetos, tanto ao nível morfológico como ecológico. Descubra mais!

A crescente evidência científica mostra que o aquecimento global está a afetar profundamente os insetos, tanto ao nível morfológico como ecológico, com potenciais impactos negativos para os ecossistemas.

Dois estudos recentes reforçam esta preocupação, ao mostrarem como o aumento das temperaturas influencia negativamente o tamanho corporal e a capacidade de dispersão de insetos aquáticos, comprometendo a sua abundância, funcionalidade ecológica e, em última instância, a biodiversidade.

O estudo "Elevated temperatures translate into reduced dispersal abilitiesin a natural population of an aquatic insect", publicado no Journal of Animal Ecology, baseia-se numa análise de oito anos de dados sobre a mosca-gruídea aquática (Tipula maxima), recolhidas num riacho de montanha na Alemanha central.

Os investigadores procuraram compreender como as variações interanuais de temperatura e padrões hidrológicos influenciam traços fenotípicos relacionados com a dispersão, como o comprimento das asas, o peso corporal e a carga alar, além de padrões fenológicos como o tempo e duração da emergência dos adultos.

De forma surpreendente, os resultados indicaram que o aumento da temperatura anual média levou a um ligeiro aumento no comprimento das asas (cerca de 5,6% por cada +1 °C), mas também a um aumento desproporcional no peso corporal (17,8% em fêmeas e 26,9% em machos). Este desequilíbrio resultou num aumento significativo da carga alar, que implica um voo menos eficiente e maior gasto energético — ou seja, menor capacidade de dispersão.

Embora as adultas de Tipula maxima pareçam grandes e até assustadoras à primeira vista, com asas longas e patas esguias, elas não picam nem se alimentam ativamente — vivem apenas alguns dias e o seu único objetivo é reproduzir-se.

Além disso, verificou-se que temperaturas mais elevadas conduzem a uma janela mais curta e sincronizada de emergência dos adultos, o que reduz o período disponível para a reprodução e a colonização de novos habitats. Esta limitação à mobilidade é particularmente preocupante num contexto de alterações climáticas, pois restringe a capacidade de adaptação espacial da espécie — um fator crítico para a persistência de populações em ambientes em mudança.

Os autores sugerem ainda que este padrão pode aplicar-se a outros insetos aquáticos com nichos estreitos, contribuindo para o declínio generalizado da biomassa e diversidade de insetos registado nas últimas décadas.

O estudo " Global Size Pattern in a Group of Important Ecological Indicators (Diptera, Chironomidae) Is Driven by Latitudinal Temperature Gradients" , publicado na revista Insects, reforça esta visão ao revelar padrões globais de diminuição do tamanho corporal em resposta ao aumento da temperatura, usando como grupo modelo os Chironomidae, uma família diversificada de mosquitos não-picadores com larvas aquáticas.

Chironomidae estão entre os insetos mais abundantes do mundo e desempenham um papel vital nos ecossistemas aquáticos, ajudando a decompor matéria orgânica e servindo de alimento para muitos peixes, aves e outros animais.

A partir de uma base de dados global de mais de 4300 espécimes de 2090 espécies, os investigadores demonstraram que o comprimento das asas — utilizado como proxy do tamanho corporal — diminui em média 32,4 µm por cada 1 °C de aumento da temperatura anual média. Esta tendência negativa foi consistente em 20 dos 24 géneros analisados, sugerindo que a “regra temperatura-tamanho” se aplica amplamente neste grupo de insetos ectotérmicos.

Embora a filogenia (isto é, a posição evolutiva dos géneros) tenha explicado grande parte da variação no tamanho entre grupos, o efeito da temperatura revelou-se estatisticamente robusto, independentemente da latitude ou hemisfério.

Esta redução sistemática no tamanho corporal tem implicações significativas para a ecologia dos insetos aquáticos. Tamanhos menores podem traduzir-se em menor fecundidade, menor resistência ao stress ambiental, menor eficiência de dispersão e alterações nas interações tróficas.

Num contexto de aquecimento global, esta miniaturização pode comprometer o papel ecológico dos Chironomidae como recicladores de matéria orgânica, presas para predadores e indicadores ambientais. O estudo também destaca o valor dos gradientes latitudinais como “experiências naturais” que ajudam a antecipar os efeitos das alterações climáticas, reforçando a necessidade de monitorização contínua e de conservação adaptativa.

Em conjunto, estes dois estudos apontam para um futuro preocupante para os insetos aquáticos em climas cada vez mais quentes. O aumento das temperaturas em termos de sobrevivência e dispersão, pode estar a reduzir a resiliência ecológica dos ecossistemas de água doce.

Menores tamanhos corporais, menor capacidade de dispersão e períodos de emergência mais curtos comprometem a conectividade entre populações, dificultam a recolonização de habitats degradados e aumentam o risco de extinções locais. Assim, o aquecimento climático não só ameaça diretamente os insetos, como também compromete os serviços ecológicos dos quais dependem muitos outros organismos — incluindo os humanos.

Referência da notícia

Jourdan J, Baranov V, Wagner R, Plath M, Haase P. Elevated temperatures translate into reduced dispersal abilities in a natural population of an aquatic insect. J Anim Ecol. 2019; 88: 1498–1509. https://doi.org/10.1111/1365-2656.13054

Baranov V, Jourdan J, Hunter-Moffatt B, Noori S, Schölderle S, Haug JT. Global Size Pattern in a Group of Important Ecological Indicators (Diptera, Chironomidae) Is Driven by Latitudinal Temperature Gradients. Insects. 2021 Dec 28;13(1):34. doi: 10.3390/insects13010034.