Do charme centenário aos mini autocarros elétricos: Lisboa escreve novo capítulo da Glória
Inaugurado em 1885, o Elevador da Glória marcou a engenharia lisboeta. Agora, enquanto permanece fechado, a cidade aposta em soluções temporárias para manter a ligação entre Restauradores e Bairro Alto.

Na passada sexta-feira (12 de setembro), Lisboa ganhou uma nova forma de subir e descer colinas sem ter de depender do famoso Elevador da Glória, que continua fora de serviço depois do trágico acidente de 3 de setembro. Para garantir que ninguém fica sem alternativa, a Carris estreou a carreira 51E — um percurso especial operado por mini autocarros elétricos que já anda a circular pelas ruas da capital.
“Esta carreira irá funcionar temporariamente, continuando a garantir o acesso e a mobilidade entre os Restauradores e o Bairro Alto/ Largo do Carmo”, explicou a transportadora, em comunicado.
Um passeio alternativo pelo coração da cidade
O novo trajeto arranca nos Restauradores e dá uma bela volta pela cidade, passando pelo Rossio, Rua do Ouro, Rua da Conceição, Rua Nova do Almada, Rua Garrett e Calçada do Sacramento, antes de chegar ao Largo do Carmo. Mas não fica por aí: segue pelo Largo da Trindade, Rua da Misericórdia, Rua das Taipas, Praça da Alegria e Avenida da Liberdade, regressando finalmente ao ponto de partida.
O serviço está disponível todos os dias, entre as 7 horas da manhã e as 21:30. Sendo uma solução temporária, a ideia é que funcione até os elevadores voltarem a estar prontos e seguros para receber passageiros.
Para já, a Carris garante que esta carreira assegura a ligação essencial entre os Restauradores, o Bairro Alto e o Largo do Carmo, zonas onde a procura de transporte é sempre grande, seja por turistas ou lisboetas.
Glória: mais do que um funicular, um ícone
O que passa ao lado de muitos é que o Elevador da Glória não é apenas um meio de transporte; é um pedaço da alma lisboeta. Inaugurado em 1885 e sofrendo grandes alterações técnicas em 1902, foi desenhado pelo engenheiro luso-francês Raoul Mesnier du Ponsard, e na sua estrutura de ferro e carruagens de madeira há algo que nos remete imediatamente para o estilo estético de Gustave Eiffel.
Com uma inclinação de 18% e um percurso de 275 metros que dura apenas dois minutos, o funicular funcionava graças a um engenhoso sistema de cabos e contrapesos: quando uma carruagem subia, a outra descia, aproveitando o peso para equilibrar a energia.

Ao longo do tempo, foi passando do contrapeso de água para o vapor e, mais tarde, para a eletricidade, tornando-se pioneiro na mobilidade elétrica urbana em 1914.
Mesmo com vários mecanismos de segurança — cabos adicionais, travões automáticos, inspeções periódicas — o acidente de setembro deixou Lisboa em choque e abriu a ferida de ver um dos seus ícones ferido. A incerteza quanto ao regresso à operação levanta dúvidas, mas também reforça a vontade coletiva de preservar esta peça rara de engenharia.
Sustentável, silencioso e de olhos postos no futuro
Após o acidente no Elevador da Glória, foi ordenada também a suspensão dos elevadores da Bica e do Lavra pela Câmara Municipal de Lisboa. As empresas municipais responsáveis terão que realizar vistorias aos equipamentos antes de estes poderem voltar a receber passageiros.
Enquanto se procura entender o que aconteceu e se prepara a eventual reabertura, a cidade não podia parar. Os mini autocarros elétricos da 51E vieram tapar a ausência, oferecendo uma viagem mais silenciosa, menos poluente e que, de certa forma, até homenageia a tradição de inovação que o Elevador da Glória sempre representou.

Se costuma apanhar o Elevador da Bica, saiba que a alternativa sugerida é a carreira 22B. Esta faz o percurso entre o Cais do Sodré e o Largo do Calhariz, passando pelo Príncipe Real, todos os dias entre as 7 horas e as 20:30.
Assim, enquanto os icónicos funiculares não voltam a subir e descer as encostas da cidade, os novos mini autocarros assumem o papel de guardiões temporários da mobilidade. É certo que não têm a estética de ferro e madeira nem o charme de um sistema inventado há mais de um século, mas cumprem a função: manter viva a ligação entre os lisboetas, os turistas e a alma da cidade.