Desde a Antiguidade, lançamos ao mar mensagens em garrafas, esperando que alguém as encontre
A oceanografia motivou muitos estudiosos a lançar mensagens ao mar. Mas as razões vão para lá da ciência, com histórias de familiares, amigos ou simplesmente curiosos que usam os oceanos para comunicar.

Qual é a probabilidade de uma mensagem guardada numa garrafa de vidro, à deriva no oceano, chegar às mãos do seu destinatário? As possibilidades são ínfimas, mas isso não impede muitos de tentar a sorte. Em vários pontos do mundo, há, a cada ano, dezenas de bilhetes, cartas ou recados que, ao sabor das ondas, são achados a boiar à beira-mar.
A garrafa de cerveja que Richard Platz, um jovem padeiro de 20 anos, lançou ao mar, na Alemanha, em 1913, está entre mais antigas. Foram necessários 101 anos para um pescador encontrá-la finalmente, em março de 2014, no mar Báltico.
Entregue ao Museu Marítimo Internacional, na cidade portuária de Hamburgo, a carta foi examinada por especialistas, que conseguiram identificar o autor e localizar a neta a morar em Berlim.
Um século depois de atirada ao mar, Angela Erdmann, então com 62 anos, leu emocionada a mensagem do avô, onde apenas era legível a indicação para levar a garrafa até ao endereço indicado.
Experiências científicas de há 100 anos
Mais uma garrafa, lançada ao mar a 10 de junho de 1914 por um Capitão da Escola de Navegação de Glasgow, foi recuperada pelo pescador britânico Andrew Leaper 98 anos depois, a 12 de abril de 2012. Hunter Brown era um estudioso das correntes do mar do Norte, e a garrafa foi uma das 1890 lançadas a 10 de junho de 1914.
Nem todas as mensagens demoram quase um século a chegar a terra firme. A garrafa que Jonathan, da província canadiana da Nova Escócia, escreveu à sua amiga Mary demorou 28 anos a percorrer aproximadamente seis mil quilómetros até chegar, em 2013, a uma praia croata, no sul do Adriático.
A mensagem atravessou o Atlântico, entrou no Mar Mediterrâneo e surgiu entre os escombros na foz do rio Neretva.

Matea Rezic, uma praticante de kitesurf, tropeçou nela enquanto participava numa limpeza da praia. Esteve quase para descartá-la quando reparou num papel húmido com algumas frases escritas.
Não contendo os apelidos do remetente e da destinatária, o autor ficou por identificar, apesar de Matea ter divulgado o achado nas redes sociais.
Zoe esperou 23 anos pela resposta
Zoe, de Hebden Bridge, Inglaterra, tinha 10 anos quando atirou uma garrafa com a sua mensagem ao mar, durante uma travessia de barco até à Bélgica, no dia 12 de setembro de 1990. O bilhete, escrito com uma letra infantil dizia: "Caro descobridor, o meu nome é Zoe Lemon. Escreva-me, por favor, eu gostaria muito. Tenho 10 anos e gosto de ballet, tocar flauta e piano. Tenho um hamster chamado Brilho e um peixe chamado Speckle."

Vinte e três anos mais tarde, no Natal de 2013, os pais da autora da mensagem receberam uma carta de um casal dos Países Baixos: "Querida Zoe, ontem, num dos muitos passeios com a minha mulher ao longo dos diques de Oosterschelde, olhando entre os destroços lançados pelo mar, encontrei uma pequena garrafa de plástico contendo a sua mensagem."
Mistérios que o mar engoliu
Há muitos mais casos para contar. Milhares, centenas de milhares ou até mais garrafas terão sido lançadas ao mar. Nunca saberemos o número certo porque é bem provável que a maioria esteja ainda à deriva ou se tenha deteriorado com o tempo.
As garrafas com mensagens são atiradas ao mar desde a Antiguidade: no ano 310 antes de Cristo, Teofrasto, discípulo de Aristóteles, lançou várias seladas ao oceano, tentando provar que o Atlântico fluía para o Mediterrâneo. A experiência do filósofo grego é considerada a primeira de todas, mas nunca saberemos se obteve a resposta que procurava.
Os registos históricos dão ainda conta de que Cristóvão Colombo terá também lançado, em 1493, um manuscrito ao mar protegido por uma tela num barril selado, que nunca foi encontrado.
O próprio D. Carlos, rei de Portugal assassinado em 1908, fez algumas experiências durante as suas expedições marítimas na costa portuguesa, entre 1896 e 1907.

A oceanografia é um motivo comum para boa parte das garrafas que já foram atiradas ao mar. As suas histórias, porém, são muito mais diversificadas, indo além do interesse científico.
Os bilhetes e as cartas que chegaram a bom porto mostram que o mar, afinal, não é uma imensidão a separar os povos. É antes uma ponte que nos une. Só não sabemos quem está do outro lado. Mas isso é o que torna esta viagem fascinante.
Referências da notícia
Louise Osborne. 101-year-old bottle message: Baltic find reveals my roots, says granddaughter. The Guardian.
Emma Flanagan. Message in a bottle discovered 350 miles away - after 23 years at sea. Manchester Evening News.
Message in a Bottle: The History, and the Stories You Never Knew. Panama Jack.