Como o calor extremo não afeta só o corpo, mas também a saúde mental

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Há investigações que demonstram que, tal como a falta de luz no inverno pode agravar depressões sazonais, o excesso de calor no verão pode ter um efeito semelhante, mas no sentido da irritabilidade e do aumento da ansiedade.

O calor extremo constitui hoje um dos maiores desafios de saúde pública, não apenas pelos seus efeitos físicos, mas também pelo impacto que exerce na saúde mental. Quando pensamos em ondas de calor, associamos sobretudo a problemas como a desidratação, as doenças cardiovasculares ou a insolação.

No entanto, a investigação científica e a experiência recente mostram que as consequências vão muito além do corpo, atingindo também o equilíbrio psicológico e emocional das pessoas.

Curiosamente, populações habituadas a viver em climas quentes, como no sul da Europa, tendem a sofrer menos efeitos psicológicos em comparação com países mais frios, porque estão mais adaptadas e implementam rotinas culturais de descanso e frescura.

A nível fisiológico, a exposição prolongada a temperaturas muito elevadas obriga o organismo a um esforço acrescido para manter a estabilidade interna, o que fragiliza pessoas com doenças pré-existentes.

Esta vulnerabilidade é ainda maior entre indivíduos medicados com fármacos psicotrópicos, como antidepressivos, ansiolíticos ou antipsicóticos, que podem interferir na regulação da temperatura corporal. Além disso, sabe-se que o calor excessivo provoca alterações cognitivas, com efeitos na concentração, na memória e na rapidez de raciocínio, aumentando a irritabilidade e diminuindo a capacidade de lidar com o stress do dia a dia.

Diversos estudos, incluindo os referidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela American Psychological Association (APA), destacam que o calor intenso pode agravar quadros de ansiedade e de depressão, afetar a qualidade do sono e intensificar sentimentos de fadiga e desesperança. Há também evidência de uma correlação entre períodos de calor extremo e aumento de casos de suicídio, o que demonstra a gravidade da ligação entre temperatura e sofrimento psicológico.

Nos contextos laborais, a exposição prolongada ao calor conduz a um maior desgaste mental, a erros de julgamento e à diminuição da produtividade, com consequências económicas e sociais significativas.

O sono profundo (fase REM), fundamental para a recuperação emocional, é prejudicado quando as temperaturas noturnas não descem. Cidades com efeito de “ilha de calor” urbano são particularmente problemáticas, porque retêm calor durante a noite.

O impacto do calor na vida social não pode igualmente ser ignorado. O desconforto térmico constante, associado muitas vezes à ausência de noites frescas em ambientes urbanos sujeitos ao efeito de “ilha de calor”, potencia a frustração, a agressividade e o conflito interpessoal, incluindo situações de violência doméstica.

Estas repercussões emocionais e comportamentais atingem com particular intensidade os grupos mais vulneráveis, como idosos, crianças, pessoas com doenças crónicas ou perturbações mentais, e populações em situação de pobreza ou isolamento social, sem acesso a espaços frescos e seguros.

Perante estes riscos, os planos de ação para ondas de calor, recomendados pela OMS, devem contemplar não apenas medidas de proteção física, mas também estratégias que incluam a dimensão psicológica. A informação pública deve alertar para os impactos mentais do calor, garantindo que a população reconhece os sinais de sofrimento emocional.

Os serviços de saúde e de apoio social necessitam de reforçar a vigilância sobre pessoas em risco acrescido, assegurando acompanhamento e apoio comunitário. A criação de espaços de arrefecimento acessíveis, a integração de profissionais de saúde mental nos planos de emergência e a formação de técnicos para identificar sinais de agravamento psicológico são igualmente passos fundamentais.

Em suma, o calor extremo não é apenas um desafio climático ou físico, mas também uma ameaça à saúde mental e ao bem-estar social. A adaptação das comunidades às alterações climáticas exige que a prevenção e a resposta incluam esta dimensão menos visível, mas essencial, para proteger de forma mais completa a saúde das populações.

Referências da notícia:

- Heat and health in the WHO European Region: updated evidence for effective prevention. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2021. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO.

- https://www.apa.org/monitor/2024/06/heat-affects-mental-health