Especialistas de Harvard revelam como certas plantas do deserto evacuam o excesso de sal para sobreviver

A salinização do solo é um dos maiores desafios que a agricultura enfrenta, reduzindo drasticamente a produtividade. Compreender como as plantas gerem o excesso de sal pode abrir novos caminhos para o desenvolvimento de culturas mais resistentes em condições extremas.

A planta modelo do estudo, Nolana mollis, popularmente conhecida como “suspiro chico”, que cresce no deserto do Atacama / PNAS.

A nova investigação conduzida por Harvard, com a participação do CSIC, tem implicações para a agricultura no contexto das alterações climáticas e da escassez de água.

Um estudo internacional publicado na revista PNAS descreve pela primeira vez o mecanismo que permite a certas plantas do deserto de Atacama (Chile) eliminar o excesso de sal e sobreviver em condições extremas. O trabalho foi liderado pela Universidade de Harvard, em colaboração com Juan M. Losada, do Instituto de Hortofruticultura Subtropical e Mediterrânica “La Mayora”, um centro conjunto do Conselho Superior de Investigação Científica e da Universidade de Málaga.

De acordo com o estudo, estas plantas utilizam estruturas minúsculas chamadas glândulas salinas, que atuam como verdadeiras “microcâmaras de pressão”, criando um espaço fechado onde acumulam líquido e geram pressão. Graças a estas glândulas, as plantas expulsam ativamente os sais para o exterior através da fina película que cobre as suas folhas (a cutícula) e libertam-nos através de orifícios mil vezes mais pequenos do que a espessura de um cabelo humano (nanoporos). O controlo preciso do tamanho destes nanoporos é essencial para manter o equilíbrio entre a remoção do sal e a conservação da humidade. Se os poros se abrirem demasiado, a planta seca; se se fecharem, o sal acumula-se e a planta morre.

Segundo Losada, este trabalho “lança as bases para compreender como as plantas adaptadas a ambientes extremos podem inspirar novas estratégias para a recuperação de solos agrícolas salinizados ou mesmo para a conceção de sistemas de dessalinização mais eficientes”.

O estudo combina análises anatómicas, fisiológicas e teóricas e representa um passo importante para a agricultura regenerativa num contexto de alterações climáticas e de crescente escassez de água doce.

Um laboratório natural no deserto mais árido do mundo

O protagonista do estudo é a Nolana mollis, uma planta arbustiva da família das Solanáceas (a mesma do tomate, da batata e da beringela) que cresce no parque nacional Pan de Azúcar, no deserto de Atacama, no norte do Chile. As suas folhas carnudas estão cobertas por uma película de sal visível a olho nu, enquanto outras espécies vizinhas permanecem secas. Esta camada salina é o resultado de um sofisticado sistema de eliminação que permite à planta manter o equilíbrio interno entre a água e os sais, mesmo quando o solo tem concentrações salinas que matariam a maioria das plantas.

As minúsculas glândulas salinas da Nolana mollis encontram-se em pequenas depressões na epiderme da folha. No seu interior, os investigadores identificaram uma câmara subcutânea que se insufla como um balão quando a planta bombeia água e sal para o seu interior. Esta câmara gera pressão suficiente para expulsar a solução salina para o exterior através de fissuras na cutícula, que funcionam como válvulas de escape.

A delicada arte de fraturar a cutícula

Um dos resultados mais surpreendentes do trabalho é que a cutícula destas glândulas tem de se fraturar para funcionar, mas não de qualquer maneira. Se as fissuras forem demasiado pequenas, o sal fica retido; se forem demasiado grandes, a planta perde água de forma catastrófica. O modelo desenvolvido pela equipa indica que o tamanho ideal para estas fissuras se situa entre 10 e 400 nanómetros, cerca de mil vezes mais fino do que um cabelo humano.

Para confirmar esta previsão, os cientistas utilizaram microscopia eletrónica criogénica e observaram fissuras reais em plantas ativas, com larguras entre 30 e 200 nanómetros. Este ajuste preciso depende das propriedades mecânicas da cutícula, que deve ser suficientemente flexível para se abrir, mas suficientemente forte para evitar que a fratura se propague sem controlo.

Equilíbrio físico e energético

A investigação revela também que a câmara subcutânea não é apenas uma solução mecânica, mas também energética. Sem esta câmara intermédia, a diferença de concentração entre a célula e a salmoura à superfície seria tão grande que os transportadores de iões - o motor da bomba de sal - deixariam de ter energia suficiente para funcionar e ficariam bloqueados. Ao diluir o sal nesta câmara, a planta reduz este gradiente e mantém a bomba de sal ativa.

Mostra também que a tolerância ao sal não depende apenas de genes e proteínas, mas também de soluções físicas e estruturais. A otimização dos transportadores não é, portanto, suficiente se a planta não resolver o problema mecânico, e esta compreensão abre caminho a tecnologias de dessalinização mais eficientes, baseadas em membranas que combinam o transporte ativo e o controlo da pressão.

A salinização do solo é um dos maiores desafios que a agricultura enfrenta. Afeta mais de 800 milhões de hectares em todo o mundo e reduz drasticamente a produtividade.

A compreensão do modo como plantas como a Nolana mollis gerem o excesso de sal pode abrir novas vias para o desenvolvimento de culturas mais resistentes ou de sistemas biomiméticos baseados em princípios físicos e biológicos.

Segundo Losada, “este trabalho permitir-nos-á compreender melhor a variedade de mecanismos desenvolvidos pelas plantas para se adaptarem a ambientes extremos e utilizá-los como fonte de inspiração para a bioremediação de solos agrícolas salinizados ou para a conceção de sistemas de dessalinização mais eficientes”.

Referência da notícia

Mai MH, Rockwell FE, Losada JM, Nicholson N, Suo Z, Holbrook NM. Secreting salt glands constrain cuticle fracture to enhance desalination efficiency. Proc Natl Acad Sci 2025; https://doi.org/10.1073/pnas.2505598122

Autre source : CSIC