Mudanças climáticas já causam estragos na agricultura da Amazónia

Agricultores já estão a sentir os efeitos das alterações climáticas nas suas atividades. Culturas nativas da Floresta Amazónica, como castanha do Brasil, açaí e cacau estão a entrar em declínio e podem desaparecer completamente das reservas extrativistas dentro de alguns anos.

A castanha-do-pará, também conhecida por castanha do Brasil, está entre as espécies mais afetadas, pois requer certas condições ambientais e a polinização de insetos específicos (imagem: Michael Wedermann / Hans Braxmeier)

A atividade de extrativismo na Amazónia já está a sentir os efeitos das alterações climáticas. Culturas como castanha-do-pará (ou castanha do Brasil), açaí, cacau, cupuaçu, borracha e óleos de copaíba e andiroba estão em risco de desaparecimento ou redução drástica de produção nos próximos 30 anos, alertam os cientistas.

Produtores de açaí têm relatado que as plantas estão a tornar-se mais fracas: pés de açaí passam a não dar fruto e a morrer de forma precoce. Produtores também mencionam a morte incomum de castanheiras, árvores gigantes que podem chegar a 50 metros de altura e que se destacam na floresta pela altura. A castanha-do-pará (ou castanha do Brasil) está entre as espécies mais afetadas, pois requer certas condições ambientais e a polinização de insetos específicos.

“Um dos nossos principais produtos é o açaí e ultimamente temos tido uma perda muito grande por conta dessa questão de temperatura”, Ladilson Amaral, produtor.

O último relatório do IPCC alerta que haverá impactos potencialmente irreversíveis na biodiversidade e no equilíbrio da floresta Amazónica. Mas além do impacto ambiental, as consequências sociais afetarão especialmente os agricultores que trabalham com plantas nativas, causando um agravamento da desigualdade social e uma movimentação de pessoas das áreas rurais em direção às áreas urbanas.

Esta é a conclusão de uma investigação realizada por cientistas de cinco universidades brasileiras que analisou 18 das principais culturas em 56 reservas extrativistas da floresta: num cenário onde ações não são tomadas e emissões de dióxido de carbono continuam a aumentar, as espécies nativas brasileiras serão severamente prejudicadas nos próximos 30 anos.

Como o estudo analisou a floresta amazónica e as alterações climáticas?

Já sabemos que a Floresta Amazónica é muito vulnerável às alterações climáticas e facilmente influenciada pelos seres humanos, sofrendo especialmente com incêndios e desflorestações. Muitas populações tradicionais que habitam a região dependem de recursos florestais não-madeireiros para alimentação ou sustento económico, e podem ser fortemente prejudicadas pelas mudanças causadas na região.

Das 56 reservas analisadas, 21 podem perder pelo menos uma espécie relevante, enquanto 4 reservas localizadas no estado de Rondônia - Barreiro das Antas, Rio Cautário, Pacaás Novos e Curralinho - podem perder todas as 18 espécies nativas. Este impacto causado pelas alterações climáticas prejudicará milhares de famílias que vivem da cultura destas espécies.

É possível aferir estes impactos através da mudança nos padrões de temperatura, humidade, tipo de solo e também de chuva associadas aos cenários de alterações climáticas, junto a modelos científicos de nichos ecológicos. Com isso, o estudo conclui que, dentro de alguns anos, não existirão mais as condições climáticas necessárias para a sobrevivência destas espécies.

O estudo também alerta que a falta de diagnósticos socioambientais dessas reservas dificulta uma previsão mais detalhada dos impactos sociais e, consequentemente, a formulação de medidas para mitigar o problema e ajudar os agricultores locais.

Impacto social do aquecimento global na Amazónia

As perdas mais significativas vão ocorrer em regiões que já sofrem com incêndios, mineração e desflorestação ilegal. Sem ligação com estas atividades criminosas, as famílias residentes destes locais serão as mais afetadas, pois o seu sustento parte principalmente do extrativismo e da agricultura de pequena escala.

Já na Amazónia central, no entanto, o estudo descobriu que existem áreas mais adequadas para a sobrevivência das espécies no futuro, principalmente por estarem longe dos impactos de fragmentação do habitat, de variações microclimáticas, invasões e outras pressões. Isso enfatiza a necessidade de unidades de preservação.

Os cientistas aconselham os decisores a não só proteger as áreas de conservação já existentes, como também a criar novas. Também será necessário investir em mais investigações científicas para desenvolver variedades de plantas resistentes ao clima para famílias extrativistas, bem como programas para gestão das espécies existentes mais utilizadas.

Algumas destas plantas podem tornar-se plantas do futuro, ou seja, plantas aptas para restauração ambiental, especialmente nas áreas de transição entre os biomas. Todo o tipo de programa de restauração que priorize espécies promissoras, ainda em fase de investigação, será bem-vindo. Políticas de controlo da emissão de poluentes também, claro; mas nesta altura do campeonato, a maior parte dos cientistas já desistiu dos cenários mais otimistas.