Messor ibericus: um modelo inédito de reprodução entre espécies de formigas
A formiga Messor ibericus possui um sistema reprodutivo único, capaz de gerar descendentes próprios, híbridos e até clones de outra espécie, desafiando conceitos clássicos da biologia evolutiva.

O estudo da reprodução em insetos sociais tem revelado estratégias surpreendentes de adaptação e sobrevivência.
Recentemente, a espécie ibérica de formiga Messor ibericus tornou-se protagonista de uma descoberta que desafia conceitos fundamentais da biologia evolutiva.
Investigadores identificaram que as rainhas possuem a capacidade de gerar descendentes de quatro origens distintas, recorrendo tanto à reprodução intraespecífica quanto a processos interespécies com Messor structor, uma espécie aparentada.
Esse fenómeno, descrito como xenoparidade, representa um marco para a compreensão dos limites entre espécies.
Estratégias reprodutivas contrastantes
Em condições normais, as formigas seguem um padrão bem estabelecido: as rainhas copulam com machos da mesma espécie, armazenam o esperma numa espermateca e, ao longo da vida, utilizam esse material genético para gerar fêmeas operárias ou novas rainhas. Já os machos são produzidos por partenogénese haploide, ou seja, sem fecundação.
No entanto, na Messor ibericus, observou-se uma ruptura significativa nesse paradigma. Estudos genéticos mostraram que as rainhas podem copular com machos de M. structor e, a partir dessa união, gerar operárias híbridas. Este comportamento é único no mundo animal conhecido, pois combina diferentes modos reprodutivos num mesmo organismo.
Assim, a espécie apresenta quatro tipos de descendência: Machos de M. ibericus: produzidos de maneira típica, por ovos não fecundados; Novas rainhas M. ibericus: derivadas de ovos fecundados com esperma de machos da própria espécie; Operárias híbridas: resultantes da fecundação de ovos com esperma de M. structor e Machos clonados de M. structor: gerados por um mecanismo raro de exclusão do ADN materno, que preserva apenas o genoma do macho da espécie externa.
Esse sistema, que combina reprodução sexual intraespecífica e clonagem genética interespécies, não tem paralelo conhecido noutros animais.
Implicações evolutivas e ecológicas
O fenómeno da xenoparidade tem profundas implicações para a biologia evolutiva. Em primeiro lugar, questiona a definição tradicional de espécie, geralmente baseada em isolamento reprodutivo.
No caso de Messor ibericus, a existência de descendentes viáveis de duas linhagens separadas por mais de cinco milhões de anos de divergência sugere que a barreira entre espécies pode ser mais fluida do que se pensava.
Do ponto de vista ecológico, esta estratégia proporciona uma vantagem notável. A produção de operárias híbridas permite que a colónia se mantenha funcional mesmo em regiões onde M. structor já não está presente.
Dessa forma, M. ibericus pôde expandir a sua distribuição para áreas da Península Ibérica e da Sicília, superando a dependência ecológica da sua espécie irmã.
Além disso, a clonagem de machos structor assegura a preservação desta fonte genética, prolongando a viabilidade do sistema mesmo sem contatos reprodutivos frequentes.
Consequências para a definição de espécie
A biologia moderna reconhece múltiplos conceitos de espécie, incluindo o biológico (isolamento reprodutivo), o filogenético (história evolutiva) e o ecológico (ocupação de nicho).

Messor ibericus coloca em vista especialmente o critério biológico, ao demonstrar que descendentes híbridos podem não apenas existir, mas também desempenhar papéis essenciais na sobrevivência da colónia.
Segundo os especialistas, esse caso pode ser comparado, em escala evolutiva, à distância genética entre humanos e chimpanzés.
A capacidade de produzir descendentes viáveis entre linhagens tão distantes sugere que a evolução pode tolerar formas de integração genética muito mais diversas do que se supunha.
Assim, Messor ibericus emerge não apenas como uma curiosidade biológica, mas como um modelo essencial para repensar os limites da reprodução e da própria definição de espécie.
Referência da notícia:
Juvé, Y., Lutrat, C., Ha, A. et al. "One mother for two species via obligate cross-species cloning in ants." Nature (2025).