Forte evidência de uma superpluma geotérmica sob África Oriental

Pela primeira vez, uma equipa internacional de cientistas obteve evidência geoquímica da existência de uma superpluma sob África Oriental. A análise de gases vulcânicos do campo geotérmico de Menengai, no Quénia, aponta para uma origem no limite entre o núcleo e o manto da Terra.

Campo geotérmico ativo no Vale do Rift africano está a criar uma fenda com extensão entre a Etiópia e o Malawi.
Uma investigação publicada na revista Geophysical Research Letters aponta para um rasgo da crosta terrestre provocado por forças teutónicas internas entre a Etiópia e o Malawi. Fonte: ESA.

Uma equipa internacional de investigadores obteve, pela primeira vez, evidência geoquímica direta da existência de uma vasta superpluma geotérmica sob África Oriental. O estudo, publicado na prestigiada revista Geophysical Research Letters, baseia-se numa análise química sofisticada de gases extraídos do campo geotérmico de Menengai, no centro do Quénia, e sugere que estes provêm de uma estrutura profunda e anómala no limite entre o núcleo e o manto da Terra.

Análise de gases no Quénia confirma superpluma profunda sob o Grande Vale do Rift

O trabalho foi liderado pelo professor Fin Stuart, da Universidade de Glasgow, em colaboração com a Kenya Geothermal Development Company, e envolveu também investigadores da Universidade de Edimburgo.

A investigação teve como ponto de partida um dos campos geotérmicos mais ativos do Vale do Rift africano – uma região onde a crosta terrestre está a ser lentamente rasgada por forças tectónicas internas, criando uma série de vales e vulcões que se estendem por mais de 3.500 quilómetros, entre a Etiópia e o Malawi.

Os riftes de África Oriental são das formações geológicas mais marcantes do planeta e têm sido objeto de debate há décadas. A dúvida persistente entre os cientistas é se a origem destes processos se deve a mecanismos superficiais — como a simples separação das placas tectónicas — ou se resulta do afloramento de materiais extremamente quentes vindos das profundezas da Terra.

Segundo o novo estudo, a resposta parece inclinar-se claramente para a segunda hipótese. Utilizando espectrometria de massas de alta precisão, os investigadores analisaram gases a alta temperatura libertados no campo geotérmico de Menengai.

A análise revelou que os gases são de origem vulcânica e que os isótopos do gás nobre neão que neles se encontram provêm do manto profundo, possivelmente da interface entre o manto e o núcleo terrestre.

“Os isótopos de neão que detetámos são uma verdadeira impressão digital do manto profundo”, explica Fin Stuart. “São idênticos aos que já tinham sido observados em rochas vulcânicas do Mar Vermelho, a norte, e do Malawi, a sul, o que sugere uma origem comum para todos estes fenómenos vulcânicos ao longo do Grande Vale do Rift”.

Esta assinatura geoquímica partilhada numa área tão vasta fornece suporte à teoria da existência de uma “superpluma” – uma gigantesca coluna de rocha quente e ascendente – originada no limite entre o núcleo e o manto, que se eleva até à base da crosta africana.

Superpluma sob África Oriental pode estar a moldar continentes e a reconfigurar a superfície terrestre

A “superpluma” seria responsável não só pela atividade vulcânica, mas também pela elevação de grandes extensões do continente africano, que se encontram centenas de metros acima do nível médio global.

Além disso, os investigadores destacam que os gases analisados no Quénia são quimicamente indistinguíveis dos detetados em rochas vulcânicas do Havai, outro local associado a uma superpluma proveniente do manto profundo, neste caso sob o Oceano Pacífico.

Para Biying Chen, investigadora da Universidade de Edimburgo e autora correspondente do artigo, os dados recolhidos nos poços geotérmicos quenianos facultam “informações valiosas sobre o interior profundo do planeta, ajudando a compreender não apenas as forças geológicas que moldam África Oriental, mas também os processos fundamentais que têm esculpido a superfície da Terra ao longo de milhões de anos”.

As evidências têm implicações significativas para a geociência global, uma vez que valida um modelo que há muito tempo é proposto, mas que carecia de provas diretas: a existência de superplumas capazes de moldar continentes inteiros.

Manto profundo análise
Gases de origem vulcânica estão a ser analisados e isótopos de não apontam para a verdadeira impressão digital do manto profundo.

Este tipo de estruturas térmicas pode desempenhar um papel determinante na dinâmica do planeta, influenciando a tectónica de placas, a formação de montanhas, a ocorrência de vulcanismo e até a distribuição da biodiversidade. O artigo representa, segundo os autores, “um passo importante na compreensão dos mecanismos profundos que moldam a superfície terrestre”.

O estudo reforça também a relevância do Quénia e de África Oriental como laboratórios naturais para o estudo de processos geológicos de escala planetária. À medida que a tecnologia de análise geoquímica continua a evoluir, espera-se que mais descobertas venham lançar luz sobre as forças invisíveis que moldam o nosso mundo a partir das suas profundezas.

Referência da notícia

Chen, B., Györe, D., Mutia, T., & Stuart, F. M. (2025). Neon isotopes in geothermal gases from the Kenya Rift reveal a common deep mantle source beneath East Africa. Geophysical Research Letters, 52(10), e2025GL115169. https://doi.org/10.1029/2025GL115169