Café, cacau e alterações nos padrões do clima: o que poderá acontecer?

A formação da proto-atmosfera acompanhou a evolução do planeta, e uma série de fenómenos meteorológicos foram gerando o clima terrestre. Saiba mais sobre a relação entre viciantes hábitos alimentares como café e cacau e a alteração dos padrões climáticos.

Fome
Uma em cada nove pessoas no mundo – 822 milhões de pessoas não têm comida suficiente para levar uma vida saudável e ativa. Fonte: FAO

Especiais características do invólucro gasoso do planeta possibilitam a existência de vida. A combinação da composição da atmosfera, com os mecanismos que nela atuam como pressão, temperatura, humidade, movimento, e com fatores como latitude, altitude, relevo e radiação solar, determinam o tipo de vida que se pode desenvolver em cada lugar. É o compósito de condições meteorológicas e padrões climáticos que estrutura a biota e limita o estabelecimento de agroecossistemas pelo Homem.

Desde os primórdios que a humanidade busca entender o clima como forma primeira de sobrevivência. A perceção e entendimento da mutabilidade climática, possibilitou a transição do nomadismo para o sedentarismo. A partir da inevitável cíclica sucessão entre os dias e as noites, da observação das fases da Lua, da perceção das estações do ano, o Homem foi apreendendo a estreita relação entre estes fenómenos e alterações no clima do planeta, conseguindo assim identificar o momento ideal para o plantio, para a colheita, definido estratégias e técnicas agrícolas mais eficazes.

Num salto cronológico de milénios, e para acompanhar um crescente aumento populacional, a agricultura foi-se intensificando, mecanizando e especializando com os grandes latifúndios de monoculturas. Vivencia-se o paradigma da resposta às demandas de mercado, orientadas por modas alimentares, em direto conflito com a transição para uma agroecologia, alicerçada num desenvolvimento rural prementemente sustentável.

Alterações no mecanismo climático repercutem-se drasticamente em todo o planeta

Crescentemente, as alterações que se têm verificado nos padrões climáticos, representam dos maiores desafios mundiais, considerando os graves impactes infligidos nos ecossistemas, na disponibilidade e qualidade de água, assim como na própria saúde humana. E, um clima em mudança reflete-se por alterações na frequência, intensidade, extensão espacial e duração de fenómenos meteorológicos, classificados de extremos pelo seu grau de severidade, caracteristicamente associados a episódios de cheias e secas, em função das vulnerabilidades locais.

Considere-se que, o aquecimento de massas de água, altera a sua qualidade e estrutura térmica, podendo impulsionar ao aumento de algas, e desregular as migrações de peixes. Já a demora ou antecipação de estações do ano, como a primavera, altera, quer a formação das folhas nas árvores, quer a própria migração de aves, perturbando habitats, deslocando espécies vegetais e animais para regiões não endémicas, afetando incontornavelmente a produtividade das culturas agrícolas.

De facto, a agricultura e a natureza exercem profunda influência recíproca. A agricultura molda a paisagem, mas contribui para a variedade de habitats seminaturais, sustenta comunidades, constitui-se como base cultural de cada povo. Todavia, a volubilidade dos fenómenos atmosféricos, ao afetar a produção agrícola, potencia pesados riscos de natureza económica, considerando a marcada globalização dos mercados agroalimentares.

Cacau
A agricultura, pela sua dependência das condições meteorológicas regionais, é particularmente vulnerável a alterações nos padrões climáticos.

O predomínio dos cultivos do bem-estar, como o café e o cacau

Transversais a modas alimentares, e de consumo enraizado ao longo das mais diversas sociedades, alude-se as culturas do café e do cacau, possuem um volume de produção entre 10 e 5 mil toneladas anuais, respectivamente. Provenientes do chamado Cinturão do Grão, uma faixa longitudinal limitada pelos trópicos, próxima ao equador, estas culturas predominam em solos propositadamente desflorestados, o café em larga escala no Brasil, Vietname, Colômbia, Etiópia, Indonésia, e o cacau em extensas áreas da Costa do Marfim, Gana, Indonésia, Nigéria, Camarões.

Originário das terras altas da Etiópia, Sudão e Quénia, o café difundiu-se pelo mundo com o Império Egípcio, tendo posteriormente acompanhado as dinâmicas dos Descobrimentos. A cultura do café prolifera em solos ricamente férteis, com temperaturas entre os 18 ⁰C e os 27 ⁰C, com abundante precipitação, e em altitudes dos 400 aos 2000 metros. O cafeeiro é um arbusto de crescimento contínuo, de ramos dimorfos, podendo, consonante com condições regionais de temperatura e humidade relativa do ar, precipitação, ventos e insolação, atingir 2 a 4 metros de altura.

Nas últimas cinco décadas, a produção de cacau quintuplicou e a do café duplicou

Na mesma resenha, remontando há cerca de 5 mil anos, o histórico mercantil do cacau provém da América Central, dos Maias e Astecas, para os quais era de tal modo importante, que as suas sementes eram usadas como moeda de troca. Ecofisiologicamente, trata-se de uma cultura característica de regiões com temperaturas médias superiores a 15 ⁰C, e sendo muito sensível à deficiência hídrica, exige um indíce pluviométrico médio anual, entre 1400 e 2000 mm. O cacaueiro, uma árvore perenifólia, pode variar dos 4 aos 8 metros de altura, sendo que apenas 5% deles produzem frutos, num máximo de 30 vagens por ano, com 20 a 60 sementes cada uma.

Nos últimos 50 anos, a produção de cacau quintuplicou e a do café duplicou. Variáveis como temperatura do ar, humidade relativa e precipitação, condicionam determinantemente o microclima destas plantações. Um modelo agrícola desconexo, uma acirrada disputa pelo recurso terra, acoplados a cenários de alterações nas temperaturas do ar e nos regimes e volume de precipitação, afetarão a distribuição e disponibilidade dos recursos hídricos, e por inerência, o abastecimento alimentar.

Prevalecendo o atual ritmo consumista, estima-se que em 2050 sejam necessários mais 60% de bens alimentares, mais 40% de água e mais 50% de energia. O planeta e a humanidade, urgem numa resposta assertiva ao ODS2 - “Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhoria da nutrição, e promover a agricultura sustentável”.