Cientistas da Universidade de Lisboa investigam se o oceano consegue absorver ainda mais CO2 e calor

Portugal é um dos 19 países envolvido num esforço global com vista a estudar as consequências de um aumento controlado da alcalinidade na água do mar para potenciar os seus benefícios

Baleia no oceano
Mais de 90% do excesso de calor é absorvido pelos oceanos, que retém também 30% do dióxido de carbono emitido pelas atividades humanas. Será que o seu desempenho pode ser ainda melhor? Foto: Three Shots/ Pixabay

Sem os oceanos, a Terra teria temperaturas extremas, semelhantes às de Vénus ou Marte. A sua capacidade para absorver o calor gerado pelo aquecimento global ultrapassa os 90%, evitando que as temperaturas terrestres subam de forma descontrolada. Além de regular o clima, também funcionam como grandes sumidouros de carbono, retendo aproximadamente um terço do CO₂ emitido pelas atividades humanas.

Os oceanos já fazem imenso pela vida no Planeta, mas os cientistas querem saber se podem fazer ainda mais.

Esse é o intuito do OAEPIIP - Ocean Alkalinity Enhancement Pelagic Impact Intercomparison Project. A experiência, liderada pela Universidade da Tasmânia e apoiada pelo Surface Ocean–Lower Atmosphere Study (SOLAS), envolve 19 países, incluindo Portugal.

Nova Zelândia, China, Canadá, Espanha, Chile, Quénia e, um pouco por todo o mundo, várias equipas de oceanógrafos estão a tentar perceber se, subindo ligeiramente a alcalinidade da água do mar, é possível aumentar ainda mais a captura de carbono da atmosfera sem ameaçar a vida marinha. A técnica é conhecida por Ocean Alkalinity Enhancement (OAE), que em português pode ser traduzida para Aumento da Alcalinidade do Oceano.

Da baía de Cascais até Lisboa

Em Portugal, os ensaios estão a ser conduzidos pelo Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) e pela Rede de Investigação Aquática (ARNET), da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Saber se esta solução pode funcionar e quais as consequências levaram os investigadores até à baía de Cascais para colher amostras da água do mar.

A água foi transportada até à Faculdade de Ciências Lisboa e utilizada em experiências microcosmos num ambiente com temperatura e luz controladas.

Um conjunto de nove tanques transparentes permitiu criar três cenários distintos. O primeiro replicou as condições marinhas naturais, sem alterações; o segundo testou o que acontece logo após a adição de alcalinidade, antes de o CO₂ entrar na água; e o último simulou a água do mar que já atingiu o equilíbrio de CO₂ com a atmosfera.

Imagens da recolha de amostras de água de mar da equipa MARE/ARNET
Os investigadores portugueses encheram vários tanques com a água do mar de Cascais que depois foram transportados para a Faculdade de Ciências de Lisboa para serem alvo de experiências. Imagens: CHASE / MARE-ULisboa

Doze parâmetros físico-químicos e biológicos foram depois medidos ao longo de 20 dias. Foram necessárias mais de mil observações para estudar os organismos planctónicos, considerados cruciais para o equilíbrio dos oceanos.

São estas as comunidades que formam a base da cadeia alimentar marinha, tendo uma função crítica no ciclo global do carbono. Saber como reagem à alteração química da água do mar é, por isso, essencial para avaliar os riscos ecológicos e a sustentabilidade de soluções climáticas como o aumento da alcalinidade do oceano.

Portugal encontra-se atualmente na fase de análise laboratorial de todas as amostras colhidas durante a experiência. Os resultados deverão começar a surgir nos meses que se seguem, podendo trazer mais pistas para ajudar os investigadores a estudar os efeitos da alcalinidade nos ecossistemas oceânicos.

A medida certa para não ameaçar a vida marinha

O projeto OAEPIIP pretende ir muito além da experiência de laboratório. É, acima de tudo, um esforço global para produzir dados comparáveis e sólidos, capazes de orientar políticas públicas e decisões sobre o futuro do oceano.

Espera-se que os resultados obtidos em várias partes do mundo possam permitir encontrar a fórmula certa para corrigir o desequilíbrio de carbono atmosférico sem comprometer a vida marinha.

Embora a absorção de calor e de CO₂ pelos oceanos seja essencial para manter o equilíbrio climático, esse processo tem limites. O aumento contínuo das temperaturas do mar pode reduzir a sua capacidade de reter carbono, criando um efeito dominó que intensifica o aquecimento global.

imagens das várias equipas internacionais a trabalhar no projeto OAEPIIP
O projeto internacional conta com 19 países que, do Quénia à China, passando pela Austrália ou Canadá estão a desenvolver experiências idênticas às realizadas pela equipa portuguesa. Imagens: OAEPIIP Gallery

O calor acumulado nos oceanos também pode alterar padrões de vento, afetar o ciclo das chuvas e contribuir para secas ou inundações em diferentes partes do planeta.

O aumento da temperatura das águas oceânicas já está, aliás, a causar mudanças significativas, como maior frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como ondas de calor marinhas, tempestades tropicais ou mudanças nos padrões de circulação atmosférica.

Referências da notícia

Pode o oceano ajudar-nos a equilibrar o clima? Portugal está a contribuir para testar essa hipótese. Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Ocean Alkalinity Enhancement Pelagic Impact Intercomparison Project (Website do projeto OAEPIIP)