O truque do polegar que revela as distâncias interestelares: como funciona a paralaxe estelar

Um gesto tão simples como mover o polegar em frente à paisagem contém o mesmo princípio físico que utilizamos para medir profundidades cósmicas a milhões de anos-luz de distância - descubra-o aqui.

O movimento aparente de uma estrela próxima contra o fundo de estrelas mais distantes, quando a Terra orbita o Sol, é conhecido como paralaxe estelar.

Imagine-se a esticar o braço, a levantar o polegar e a alternar entre fechar um olho e o outro. Repare como o seu polegar parece deslocar-se contra o fundo, certo? Esse gesto quotidiano é, na sua essência, um dos métodos mais poderosos que os astrónomos têm para medir distâncias no cosmos. Chama-se paralaxe estelar, e embora pareça técnico, é tão intuitivo como esse movimento aparente.

O que é exatamente a paralaxe estelar?

A paralaxe é uma mudança aparente na posição de um objeto quando observado a partir de dois pontos diferentes. Em astronomia, tiramos partido do facto de a Terra não estar parada: ao longo de um ano, o nosso planeta percorre uma enorme órbita em torno do Sol. Isto proporciona dois pontos de vista separados por 300 milhões de quilómetros.

Quando os astrónomos observam uma estrela em janeiro e voltam a observá-la seis meses mais tarde, a estrela parece ter-se deslocado ligeiramente contra o fundo de estrelas muito mais distantes. Mas não está realmente a mover-se - é apenas um efeito geométrico. Esse pequeno “salto” angular é a paralaxe estelar.

A geometria por detrás do método: Uma régua cósmica

A chave está em medir o ângulo dessa deslocação, porque quanto mais próxima estiver uma estrela, maior é a sua paralaxe. E quanto mais longe estiver, mais pequeno se torna o ângulo, acabando por se tornar quase impercetível.

Para isso, os astrónomos utilizam uma trigonometria simples: imaginam um triângulo cujo vértice é a estrela e os outros dois vértices são a posição da Terra em dois pontos opostos da sua órbita. O ângulo observado permite-lhe calcular a distância real.

Diagrama
Diagrama de paralaxe: a ligeira mudança na linha de visão de uma estrela causada pela órbita da Terra em torno do Sol cria um ângulo mensurável (p) que serve de base trigonométrica para determinar a sua distância com precisão. Fonte: josevicentediaz.com

Para exprimir a distância, os astrónomos utilizam uma unidade especial: o parsec (pc). Uma estrela situada a 1 parsec apresenta uma paralaxe de 1 segundo de arco, uma medida angular extraordinariamente pequena. Para pôr isto em perspetiva: 1 segundo de arco é equivalente à espessura de uma moeda vista a mais de dois quilómetros de distância.

Um desafio histórico: Séculos para medir a primeira paralaxe

Embora o conceito fosse conhecido desde a Antiguidade, nenhum astrónomo conseguiu medi-lo com precisão até ao século XIX. E porquê? Porque mesmo a estrela mais próxima, Proxima Centauri, apresenta uma paralaxe minúscula de apenas 0,77 segundos de arco.

Foi em 1838 que Friedrich Bessel detetou e calculou finalmente a paralaxe da estrela 61 Cygni, marcando o início de uma nova era na astronomia. Pela primeira vez, a humanidade podia medir a verdadeira distância das estrelas sem pressupostos e utilizando métodos puramente geométricos.

Dos telescópios terrestres aos satélites ultra-precisos

A verdade é que, ao longo do tempo, as medições de paralaxe têm-se tornado cada vez mais precisas. Os telescópios terrestres podem atingir limites muito finos, mas a atmosfera introduz turbulência que torna as observações mais difíceis.

A verdadeira revolução chegou com os satélites astrométricos.

O primeiro foi o Hipparcos, da Agência Espacial Europeia (ESA), seguido do Gaia, um observatório espacial que está a mapear a Via Láctea com uma precisão sem precedentes. O Gaia é capaz de medir paralaxes de milésimos ou mesmo milionésimos de segundo de arco. Graças a ele, conhecemos a posição e a distância de mais de mil milhões de estrelas.

Em última análise, a paralaxe estelar é a base sobre a qual se constrói toda a escala de distâncias cósmicas. Se não soubéssemos a verdadeira distância das estrelas próximas, não poderíamos calibrar os outros métodos utilizados para medir objetos mais distantes: desde estrelas variáveis como as Cefeidas até às supernovas de Tipo Ia ou o desvio para o vermelho de galáxias remotas. Por outras palavras: sem o truque da paralaxe, não compreenderíamos o tamanho da Via Láctea nem a expansão do Universo.