Como se “cozinha” um planeta como a Terra: a receita cósmica que começa com uma pitada de poeira estelar

Imagine que o espaço é uma vasta cozinha onde pequenas partículas de poeira se fundem sob o calor estelar para formar mundos rochosos e gigantes gasosos numa dança eterna.

Por conservação do momento angular, a nuvem de gás e poeira transforma-se num disco no qual nascerão os planetas.

Para começar a cozinhar um planeta, precisamos de nuvens densas de gás e poeira cósmica conhecidas como berçários estelares: os locais de nascimento das estrelas e dos seus mundos que se formam no chamado disco protoplanetário, uma zona de gás e poeira, produto da aglomeração de material.

Dentro destes discos, pequenas partículas de poeira colidem e aglomeram-se como migalhas formando um biscoito, estes grãos criam planetesimais, os blocos básicos de construção de mundos, que foram detectados a condensarem-se como pequenos Legos em estrelas bebé.

O monóxido de silício é um ingrediente chave nesta receita química muito especial, este material é arrefecido para formar cristais sólidos que mais tarde farão parte de futuros meteoritos rochosos. Observar este processo é como observar uma maravilhosa cápsula do tempo universal.

O nascimento de uma estrela central não é um acontecimento calmo ou pacífico - as estrelas recém-nascidas lançam jactos violentos de matéria que se chocam com o gás vizinho. Estes sinais, chamados objetos Herbig-Haro, revelam a intensa atividade física dos sistemas estelares.

Infografia sobre a formação de um sistema planetário como o Sistema Solar. Crédito: NASA.

Esta energia provém da matéria que cai em direção à estrela em formação e, ao medir estes fluxos gigantes, os astrónomos são capazes de reconstruir a história do crescimento dos mundos, o que recorda a dinâmica da criação planetária.

Fornos estelares

Para que um planeta seja habitável, tem de estar localizado à distância certa da sua estrela, a região que conhecemos como a Zona Cachinhos Dourados (Goldilocks Zone em inglês), onde o calor permite a existência de água líquida, nem demasiado perto para evaporar, nem demasiado longe para congelar para sempre.

A localização desta cintura vital muda consoante o tipo de estrela que tem. As estrelas grandes e quentes têm zonas distantes, enquanto as estrelas pequenas têm zonas mais estreitas. Estrelas como o nosso Sol são candidatas ideais para nutrir vida durante muito tempo.

O problema surge quando estas estrelas anãs vermelhas começam a emitir erupções violentas que danificam as atmosferas, e a procura de ar e água nestes mundos é agora um desafio aberto.

Algumas estrelas cor de laranja podem até ser melhores hospedeiras do que o nosso Sol amarelo, uma vez que ardem constantemente e durante muito tempo, oferecendo eras de estabilidade para a evolução biológica, tal como a conhecemos, prosperar.

Cozinhar em condições extremas

Nem todos os sistemas solares se formam em ambientes calmos e sem perigos. Algumas estrelas maciças emitem radiação ultravioleta tão intensa que destroem os discos das suas vizinhas num processo, chamado fotoevaporação, que retira ao disco protoplanetário a massa necessária para criar mundos.

No entanto, a natureza é espantosamente adaptável mesmo em cenários de caos total. O telescópio ALMA revelou que os planetas podem emergir sob radiação estelar muito forte, mostrando anéis e lacunas nos discos que demonstram que a formação planetária não pára.

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Mesmo em berçários estelares tão hostis, os materiais conseguem agrupar-se e crescer. Sabemos agora que o zoo de mundos possíveis é muito mais diverso e incrível, e esta descoberta desafia as velhas teorias de que estes discos se dissipam rapidamente.

A gravidade da estrela central também desempenha um papel protetor muito importante. Ajuda a reter o hidrogénio necessário, agindo como um guardião que preserva a matéria para formar planetas onde a dança entre a radiação e a gravidade acaba por definir o tipo de mundos que irão nascer.

O banquete de mundos diversos

Cada sistema planetário é único e mostra-nos configurações que antes pareciam impossíveis. No WASP-132, uma super-Terra rochosa, um gigante gelado e um Júpiter quente vivem em harmonia, mostrando que a migração de planetas gigantes pode ser um processo muito ordenado.

Os cientistas utilizam instrumentos avançados para medir massas e raios com grande exatidão, e descobrir planetas compostos por metais e silicatos, semelhantes à Terra, é realmente excitante. Estas descobertas permitem-nos aperfeiçoar os modelos de como evoluem os sistemas complexos do Universo.

A tecnologia atual, como o telescópio James Webb, permite-nos ver estas cozinhas cósmicas. Identificar a composição química de mundos distantes aproxima-nos da resposta a questões fundamentais em que cada novo exoplaneta descoberto é mais uma peça no grande puzzle da nossa história estelar.

Para formar um planeta é preciso tempo, os ingredientes certos e uma estrela que brilha continuamente, desde o primeiro grão de poeira até aos mundos habitáveis, a receita do Universo continua a surpreender-nos. Um dia, talvez, encontremos outra casa que partilhe a nossa própria história de formação.