Cientistas do Instituto Max Planck sugerem que a Lua nasceu após um impacto entre vizinhos do sistema solar

Uma análise exaustiva de amostras lunares e meteoritos reabre o debate sobre a origem de Theia, o misterioso mundo que colidiu com a Terra há 4,5 mil milhões de anos.

Max Planck Institute for Solar System Research
Restos químicos em rochas terrestres e lunares podem preservar vestígios do antigo corpo conhecido como Theia. Estas pistas reforçam a teoria de uma colisão monumental que teria dado origem à Lua. Imagem: Instituto Max Planck

Há milhares de milhões de anos, quando o nosso planeta estava a começar a consolidar-se, um acontecimento maciço terá marcado o seu destino para sempre. De acordo com um estudo recente, esse episódio não foi obra do acaso cósmico, mas o resultado de um encontro entre a jovem Terra e um corpo vizinho que os investigadores identificam como Theia. Embora este objeto tenha sido destruído para sempre, o seu vestígio permanece latente em fragmentos que estão agora a ser estudados com tecnologia de precisão.

Theia é o nome dado a um mundo antigo que, de acordo com o modelo de grande impacto, teria colidido com a Terra numa fase muito precoce, há cerca de 4,5 mil milhões de anos. Dessa colisão teriam surgido múltiplos fragmentos que acabaram por se agrupar para formar a Lua.

A proposta científica, construída a partir do exame detalhado de rochas terrestres, de amostras lunares recuperadas pelas missões Apollo e de meteoritos espalhados por diferentes partes do nosso Sistema Solar, aponta para uma conclusão sugestiva: a Lua poderia ser o produto direto da união de materiais tanto do nosso planeta como deste antigo companheiro orbital. Mais importante ainda, estas pistas colocariam a origem de Theia muito perto do Sol.

Uma vizinhança cósmica que poderia desencadear a colisão

Um grupo de especialistas da Universidade de Chicago, do Instituto Max Planck e da Universidade de Hong Kong defende num estudo que a colisão ocorreu entre dois mundos formados praticamente na mesma vizinhança estelar. Como lembrou Timo Hopp, autor principal do estudo, “a Terra e Theia eram muito provavelmente vizinhos”, uma ideia que ganha força quando se analisam os sinais químicos presentes no ferro, crómio, titânio ou cálcio encontrados nas amostras estudadas.

Estas impressões digitais químicas tornam-se uma espécie de arquivo mineral. Não se trata apenas de localizar os componentes básicos, mas também de decifrar ligeiras variações atómicas que revelam onde cada pedaço de matéria se formou. A equipa utilizou esta informação para comparar os padrões isotópicos com os dos meteoritos das partes interiores do sistema solar, descobrindo correspondências muito precisas com o que se espera de Theia.

A interpretação aponta para um cenário surpreendente: a Terra, ainda na sua fase inicial, teria sido atingida por um mundo criado ainda mais perto do Sol, alterando a perspetiva habitual sobre a origem lunar e abrindo novas linhas de debate sobre a dinâmica dos primórdios do Sistema Solar.

A linguagem secreta dos isótopos e o seu papel na investigação

Todo este trabalho tem uma base fundamental: a leitura dos isótopos, um tipo de assinatura química quase impercetível que preserva o traço do local de origem de cada corpo. Como explica Nicolas Dauphas, professor de geoquímica e de cósmica na Universidade de Hong Kong, estes materiais não estavam misturados de forma uniforme no início do Sistema Solar, apresentando padrões diferentes consoante a zona. É esta diversidade que permite reconstituir as origens dos meteoritos e dos planetas.

La posible colisión de Theia y la Tierra que originó Luna
Fragmentos de minerais estudados por cientistas revelam sinais que se enquadram num mundo antigo chamado Theia. Estas evidências ajudam a reconstruir o impacto que teria criado a Lua. Imagem: Ilustração do Instituto Max Planck/ Mark A. Garlick

Os investigadores combinaram dados sobre o ferro e outros metais com o conhecimento de como estes elementos se comportam nos primeiros processos planetários. Sabe-se, por exemplo, que grande parte do ferro no interior profundo da Terra teria sido separado antes do impacto, o que sugere que o ferro atual no manto pode ter vindo em grande parte de Theia.

Este conjunto de pistas, aliado a uma série de simulações que determinam que tipo de composição se adequaria aos resultados, aproximou-nos de um retrato mais completo do objeto que deu origem à Lua. Longe de ser uma visita inesperada vinda do exterior, Theia teria nascido na mesma franja onde se formaram os planetas rochosos.

Um golpe decisivo para a estabilidade e a vida na Terra

O estudo lembra também que essa colisão titânica não só criou o nosso satélite, como também ajudou a estabelecer as condições que mais tarde permitiriam o aparecimento de vida complexa. Como salientou Dauphas, a presença da Lua foi essencial para manter a inclinação da Terra estável. Sem essa estabilidade, o clima teria sido tão instável que dificilmente se teriam registado ciclos adequados a ecossistemas complexos.

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A Lua, portanto, não seria apenas um vestígio ornamental no céu noturno, mas uma peça determinante na nossa história planetária. A sua origem partilhada com a Terra reforça a ideia de que os dois corpos ficaram para sempre ligados a partir dessa colisão primordial.

Embora as questões permaneçam em aberto, esta análise dos sinais isotópicos abre uma janela privilegiada para uma época remota que não podemos observar diretamente. A cada nova medição, a imagem de Theia, esse mundo desaparecido, torna-se cada vez menos esquiva.

Referência da notícia

The Moon-forming impactor Theia originated from the inner Solar System.” Hopp, Dauphas, Boyet, Jacobson, and Kleine, Science, Nov. 20, 2025.