Cientistas de Coimbra conseguem reduzir em sete vezes o tempo de cálculo das estrelas de neutrões

A composição das estrelas de neutrões é ainda um mistério para a ciência, mas os investigadores portugueses usaram ferramentas de machine learning para acelerar o seu cálculo.

Objeto celeste luminoso
Modelos computacionais e estatísticos compatíveis com as observações constituem uma das etapas essenciais para descobrir a composição das estrelas de neutrões. Imagem: Adis Resic/Pixabay

As estrelas de neutrões são um dos objetos celestes mais densos do Universo. Podem ser vistas como núcleos gigantes muito ricos em neutrões, mas a sua verdadeira composição ainda é uma incógnita.

Apesar dos avanços da Astrofísica, nas últimas décadas, há muitas perguntas que permanecem sem respostas:

Será que, no seu interior, os quarks estão desconfinados? Será que, na sua composição, além de protões e neutrões, também existem hiperões, partículas parecidas aos nucleões, mas contendo um quark estranho?

Uma equipa de investigadores portugueses, no entanto, está agora a dar um passo decisivo para que a sua estrutura possa ser finalmente desvendada. Recorrendo a técnicas de machine learning, os investigadores do Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra (FCTUC) conseguiram calcular as estrelas de neutrões sete vezes mais rápido.

Helena Pais, Constança Providência e Tuhin Malik, Departamento de Física da Univewrsidade de Coimbra
A equipa da Universidade de Coimbra espera ter dado um contributo decisivo para se desvendar as estruturas e os processos associados às estrelas de neutrões. Foto: Universidade de Coimbra

Ao usar um método denominado de regressão simbólica, que fornece relações algébricas entre diferentes propriedades, os investigadores obtiveram uma relação entre a massa máxima de uma estrela de neutrões e a sua equação de estado.

Esta relação, descrita na revista científica Physics Letters B, reduz os cálculos computacionais por um fator de sete, numa das etapas consideradas essenciais da procura de modelos compatíveis com as observações.

Milhões de modelos e operações demoradas

O cálculo utiliza a inferência de Bayes, que pode ser muito demorada, uma vez que é necessário resolver as equações diferenciais que determinam a massa e o raio da estrela para vários milhões de modelos.

Constança Providência, investigadora do Centro de Física da Universidade de Coimbra ((CFisUC) e professora da FCTUC, citada no comunicado, diz estar convencida de que, com os atuais dados experimentais e observacionais disponíveis e os dados que serão recolhidos nas próximas décadas, a composição das estrelas de neutrões pode vir a deixar de ser um mistério para a ciência.

Extrair das observações astronómicas as propriedades da matéria que interage pela força forte, como a matéria nuclear, a altas densidades, é, no entanto, outro desafio que os investigadores precisam de ultrapassar.

Equações e fórmulas aplicadas às ciências espaciais
Devido aos milhões de modelos que têm de ser testados, os cálculos das estrelas de neutrões podem ser operações extremamente demoradas. Imagem: WaveGenerics/Pixabay

Os métodos estatísticos utilizados revelam-se essenciais para o sucesso deste problema. Mas, determinar o modo como a matéria sujeita a densidades e pressões extremamente elevadas se comporta dentro destes objetos - isto é, qual é a sua equação de estado, partindo do conhecimento da massa e raio das estrelas de neutrões -, é uma questão altamente complexa que exige muitas horas de cálculo, pela quantidade de modelos que têm de ser testados.

O contributo das ciências de computação

Num futuro próximo, espera-se que seja possível descodificar a equação de estado da matéria densa diretamente a partir do conhecimento preciso dos observáveis das estrelas de neutrões, utilizando estas técnicas computacionais avançadas.

Essa é a informação que permitirá aos investigadores desvendar as propriedades da matéria bariónica a altas densidades, assinalam os investigadores. “Assim, será possível saber a que densidades os quarks deixam de estar confinados aos nucleões e se a transição de fase para a matéria desconfinada é uma transição de primeira ordem”, esclarece a equipa no comunicado da Universidade de Coimbra.

Uma peça-chave para compreender o universo

O estudo das estrelas de neutrões é crucial para compreender inúmeras dimensões da física. Elas são laboratórios naturais para analisar a matéria em condições extremas, permitindo aos cientistas testar teorias sobre a física nuclear e a relatividade geral.

Ilustração de uma explosão no espaço
As estrelas de neutrões estão entre os fenómenos mais intrigantes para os astrofísicos e que mais informações podem fornecer para a compreensão do universo. WikiImages/Pixabay

Além disso, as observações de estrelas de neutrões e dos fenómenos que lhes estão associados, como as ondas gravitacionais, fornecem informações valiosas sobre a dinâmica do universo e a evolução das estrelas.

Estamos diante de um dos eventos mais violentos do universo. O nacimento de uma estrela de neutrões acontece quando uma estrela com pelo menos oito vezes a massa do nosso Sol morre.

Esses objetos compactos são formados por neutrões com características únicas e de grande interesse para a astrofísica. As estrelas de neutrões possuem um campo gravitacional extremamente forte devido à sua alta densidade.

A gravidade na sua superfície é cerca de dois mil milhões de vezes mais forte que a do nosso planeta, tendo ainda um campo magnético até um trilião de vezes mais forte que o da Terra.

O artigo científico “Inferring the equation of state from neutron star observables via machine learning” assume-se como mais um passo para entender melhor o que são as estrelas de neutrões. A investigação resultou de uma colaboração conjunta entre os investigadores Tuhin Malik, Helena Pais e Constança Providência do CFisUC, juntamente com cientistas chineses e indianos.

Referências da notícia

N.K. Patra, Tuhin Malik, Helena Pais, Kai Zhou, B.K. Agrawal & Constança Providência. Inferring the equation of state from neutron star observables via machine learning. Physics Letters B.

Sara Machado. Cientistas da FCTUC recorrem a machine learning e reduzem em sete vezes o tempo de cálculo das estrelas de neutrões. Universidade de Coimbra.