A 1600 metros de profundidade, os cientistas tentam abrir a porta para o lado oculto do universo

O projeto LUX-ZEPLIN, enterrado a mais de um quilómetro de profundidade no Dakota do Sul, estabeleceu novos limites na busca pelas partículas enigmáticas que constituem a maior parte do universo. Os seus resultados redefinem o caminho para a compreensão da matéria escura.

detetor LZ externo
Olhando para o detetor LZ externo, utilizado para detetar radioatividade que pode imitar um sinal de matéria escura. Crédito: Matthew Kapust/Sanford Underground Research Facility

Compreender a matéria escura — aquela componente invisível que representa a maior parte da massa do cosmos — continua a ser um dos grandes desafios da física moderna. A experiência LUX-ZEPLIN (LZ), considerado o detetor mais sensível do mundo, acaba de publicar novos resultados que refinam a procura por um dos principais candidatos teóricos: partículas massivas de interação fraca, conhecidas como WIMPs.

“Esperamos sempre descobrir uma nova partícula, mas também é fundamental poder estabelecer limites para o que pode ser a matéria escura”, explicou Hugh Lippincott, físico experimental da Universidade da Califórnia, Santa Bárbara (UCSB). Embora os cientistas estejam convencidos da sua existência há décadas, a matéria escura permanece indefinida, mesmo enquanto molda galáxias e mantém a estrutura cósmica unida.

Um laboratório a um quilómetro de profundidade

O detetor LZ opera a quase 1,6 km abaixo da superfície no Centro de Investigação Subterrâneo de Sanford (SURF), no Dakota do Sul. Aí, protegido da radiação de fundo, procura minúsculos sinais que possam revelar a presença de um WIMP. Na sua análise mais recente, a equipa examinou os dados recolhidos ao longo de 280 dias de observação, acrescentando 220 novos dias — entre março de 2023 e abril de 2024 — aos 60 dias do seu primeiro ciclo operacional

Até 2028, prevê-se completar 1.000 dias de medições. O coração da experiência são duas câmaras de titânio preenchidas com 10 toneladas de xénon líquido ultrapuro, um ambiente silencioso e denso que regista os mais ténues flashes de luz gerados por uma potencial colisão com um WIMP. À sua volta, um Detetor Externo (OD) com líquido cintilante carregado de gadolínio ajuda a distinguir sinais autênticos de ruído de fundo.

Isolamento extremo para ouvir o universo

O segredo da sensibilidade do LZ reside na sua capacidade de reduzir os sinais falsos. Por estar enterrado no subsolo, o detetor está protegido dos raios cósmicos, e a sua estrutura — composta por milhares de componentes de baixa radiação — minimiza a interferência natural do ambiente. Cada camada do sistema tem uma função: bloquear a radiação externa ou rastrear interações que possam imitar a matéria escura.

LUX-ZEPLIN (LZ)
O técnico Derek Lucero (à esquerda) e o investigador Tomasz Biesiadzinski utilizam luz ultravioleta para detetar uma possível contaminação por poeiras na câmara de projeção temporal do detetor. O pó pode ser uma fonte de ruído de fundo. Crédito: Nicolas Angelides/Universidade de Zurique.

Além disso, a equipa utiliza técnicas de análise avançadas para filtrar eventos espúrios e manter a integridade dos dados.

Os impostores mais evasivos

Entre os principais inimigos da experiência estão os neutrões, partículas subatómicas presentes em quase todos os átomos e capazes de produzir sinais indistinguíveis dos WIMPs. Para fazer face a este desafio, os cientistas da UCSB lideraram o projeto do Detetor Externo, essencial para descartar interações de neutrões e validar possíveis deteções reais.

“O problema dos neutrões é que geram o mesmo tipo de sinal que esperamos de um WIMP”, explicou a investigadora Makayla Trask. “O OD permite-nos detetá-los e descartar falsos positivos.”

Outro imitador frequente é o radão, um gás radioativo que pode emitir uma sequência de decaimentos facilmente confundida com a matéria escura. "Nesta fase, conseguimos identificar estas sequências completas no detetor e evitar confusões", explicou o físico Jack Bargemann.

Ciência sem preconceitos

Para evitar interpretações erradas por parte dos humanos, a colaboração LZ utiliza um método chamado "salting", que introduz sinais WIMP falsos nos dados durante a recolha. Só no final da análise — quando os dados são "salting" — é que os cientistas descobrem que acontecimentos foram reais. Isto elimina qualquer viés inconsciente na interpretação.

Estamos a explorar uma região onde nunca ninguém olhou”, disse Scott Haselschwardt, coordenador do estudo. “Quando se trabalha na fronteira do conhecimento, manter a objetividade é essencial.”

Um passo mais perto do mistério cósmico

Os resultados do LZ reduzem significativamente as possibilidades do que os WIMPs poderiam ser, ajudando a descartar modelos erróneos do universo e orientando a investigação futura. Mas o seu valor vai mais além: o detetor também pode detetar fenómenos raros, como neutrinos solares ou decaimentos invulgares de isótopos de xénon.

Com mais de 250 cientistas de 38 instituições em seis países, a colaboração LUX-ZEPLIN prepara-se para continuar a recolher dados e desenvolver uma versão ainda mais avançada: o XLZD, o futuro detetor de última geração que promete levar a humanidade um passo mais perto da compreensão da matéria invisível do cosmos.

Referência da notícia

J. Aalbers, et.al, Dark Matter Search Results from 4.2 Tonne−Years of Exposure of the LUX-ZEPLIN (LZ) Experiment, 1 July 2025, Physical Review Letters.