Vestígios de acampamento humano com mais de 26 mil anos encontrados no vale do Côa

Depois de uma ausência de achados, por mais de 30 anos, os arqueólogos fazem uma descoberta histórica, trazendo uma nova compreensão sobre a ocupação humana durante o Paleolítico superior.

Penascosa, Vale do Côa
Utensílios de pedra lascada encontrados no sítio da Penascosa, no Vale do Côa, confirmam a presença humana no local há mais de 26 mil anos. Foto: Museu do Côa

Em finais de 1991, a equipa de arqueólogos liderada pelo historiador Nelson Rebanda, descobriu as primeiras gravuras do Parque do vale do Côa. O achado encheu páginas de jornais nacionais e internacionais. Estávamos, afinal, diante do mais importante conjunto de arte rupestre ao ar livre do mundo, levando a UNESCO a classificar o local, em 1998, como Património Mundial da Humanidade.

O Vale do Côa concentra mais de mil rochas com manifestações rupestres, identificadas em mais de uma centena de sítios distintos, sendo predominantes as gravuras paleolíticas, executadas há cerca de 30 mil anos.

Antes disso, em 1995, a comunidade científica travou uma dura batalha para impedir a construção de uma barragem no rio Côa, que chegou até a mobilizar o antigo Presidente da República Mário Soares na campanha “As gravuras não sabem nadar”, inspirada no hit “Nadar” do grupo de rap português Black Company.

Desde então, muitos outros achados foram sendo revelados. Um dos maiores painéis de arte rupestre do vale do Côa, com cerca de 10 metros de comprimento, ou a maior gravura ao ar livre representativa de um auroque (boi selvagem) foram algumas das descobertas anunciadas nos anos mais recentes.

O que os investigadores não voltaram a encontrar foram vestígios de presença humana, como os indícios e marcas de acampamentos com mais de 30 anos no sítio arqueológico do Fariseu.

Utensílios de pedra lascada em Penascosa

Esse grande período de abstinência chegou agora ao fim com vários utensílios de pedra lascada encontrados no sítio da Penascosa, no vale do Côa, que confirmam a presença humana no local há mais de 26 mil anos.

Gravura de arte rupestre, Vale do Côa
O vale do Côa conta até à data com 1511 rochas com arte rupestre, predominando as gravuras paleolíticas, executadas há cerca de 30 mil anos, num ciclo artístico que nunca foi interrompido. Foto: Turismo de Portugal

É um achado considerado histórico, que permitiu revelar a existência de vários objetos utilizados em fogueiras. Os instrumentos encontrados atestam a presença de grupos humanos durante o Paleolítico superior, perto da célebre Rocha 3, onde se encontra uma rara concentração de gravuras em pedra executadas há mais de 25 mil anos.

O Parque Arqueológico do Côa ocupa 20 mil hectares de terreno nos municípios de Vila Nova de Foz Côa, Mêda, Pinhel e Figueira de Castelo Rodrigo, no distrito da Guarda, a que se junta Moncorvo, no distrito de Bragança.

A expedição no sítio da Penascosa, que ainda se encontra a decorrer, está a ser conduzida por arqueólogos da Fundação Côa Parque. Os trabalhos permitiram concluir que os vestígios apontam para várias estadias no sítio há cerca de 26 mil anos.

O estudo e as datações radiométricas irão estabelecer agora uma cronologia mais precisa destas ocupações. Mas, resultados como estes, em que se confirma a coincidência de vestígios de acampamento em áreas com rochas gravadas, podem trazer dados importantes para a compreensão das atividades e comportamentos dos artistas paleolíticos do Vale do Côa.

Uma nova compreensão da presença humana no Côa

Uma visita e formação específica sobre estes novos resultados terão lugar durante as próximas semanas, e serão integrados futuramente na apresentação do sítio da Penhascosa, um dos mais emblemáticos da Arte do Côa.

Desde a descoberta das primeiras gravuras rupestres, que os investigadores desconfiam que a presença humana no vale do Côa ter-se-á e estendido por um ciclo ininterrupto de cerca de 30 mil anos.

Agora, após esta intervenção, surgiram dados completamente novos, dando a conhecer a extensão e a distribuição originais das rochas, na Penascosa.

Aliar as novas tecnologias aos métodos convencionais

Todo o local das prospeções está aliás a ser analisado minuciosamente, com recurso a novas tecnologias, como fotogrametria para analisar fotografias e o desenho de gravuras, digitalização em 3D para criar réplicas da arte rupestre ou sistemas de monitorização para o acompanhamento das rochas e conservação das gravuras.

Vale do Côa
O Parque Arqueológico do Côa, com 20 mil hectares, estende-se por quatro municípios do distrito da Guarda e ainda pelo concelho de Moncorvo, em Bragança. Foto: Joana Mafalda Gomes, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

O uso de abordagens inovadoras, porém, não descarta os métodos mais tradicionais da arqueologia prática aplicados no terreno, com os investigadores a limpar, lavar, esfregar e a decalcar em papel todos os pormenores que evidenciam a presença da Arte do Côa, de forma contínua neste sítio.

Trata-se, no fundo, de um trabalho crucial para compreender o significado dos achados e preservar a memória de um lugar único no mundo.

Referência da notícia

CÔA: 30 anos depois volta a surpreender! Museu Côa