Alimentos ultraprocessados aumentam o risco de Parkinson? Harvard responde
Um estudo liderado por Harvard e pela Universidade Fudan relaciona o elevado consumo de alimentos ultraprocessados com sintomas iniciais do Parkinson. A descoberta levanta novas preocupações sobre a dieta moderna.

Um novo estudo liderado pela Universidade de Harvard e pela Universidade Fudan, na China, estabeleceu uma ligação direta entre o alto consumo de alimentos ultraprocessados e o desenvolvimento de sintomas prodrómicos — não motores — da doença de Parkinson. O estudo, publicado na revista Neurology, analisou os hábitos alimentares de mais de 42.800 profissionais de saúde nos Estados Unidos durante mais de 20 anos.
A investigação concentrou-se numa fase pouco estudada: os sintomas prodrómicos, ou seja, os sinais neurológicos e fisiológicos que podem antecipar o diagnóstico da doença em até 15 anos. Os sintomas incluem perda do olfato, distúrbios do sono REM, constipação, dores no corpo, fadiga crónica, alterações de humor e sonolência diurna.
Consumo maciço e generalizado entre a população
Alimentos ultraprocessados (AUPs) atualmente representam mais de 50% das calorias consumidas pelo adulto médio nos Estados Unidos. Estes produtos — biscoitos embalados, bebidas açucaradas, salgadinhos processados, salsichas, refeições congeladas prontas para aquecer, cereais saborizados e doces — contêm vários ingredientes e aditivos industriais não encontrados em preparações caseiras: emulsificantes, conservantes, intensificadores de sabor, corantes e estabilizantes.

Para o epidemiologista Alberto Ascherio, professor do Harvard T.H. Chan School of Public Health, o processamento destes alimentos responde mais a uma lógica comercial do que nutricional. "Estas são fórmulas projetadas para maximizar o apelo, o sabor e a vida útil, não para preservar nutrientes ou proteger a saúde", explicou ele.
Quais os sintomas que foram associados aos alimentos ultraprocessados?
A equipa de investigação avaliou sete características não motoras comuns nos estágios iniciais do Parkinson, muitas das quais são invisíveis em exames neurológicos comuns:
- Distúrbios do sono REM, onde o paciente representa fisicamente o que sonha
- Hiposmia, ou perda do olfato
- Constipação intestinal crónica
- Sonolência diurna
- Dor corporal generalizada
- Dificuldade em distinguir cores
- Sintomas depressivos
Estes sintomas sozinhos podem passar despercebidos, mas uma combinação de três ou mais é um sinal de alerta crítico. De acordo com investigações anteriores do mesmo grupo, esta combinação aumenta o risco de desenvolver Parkinson clínico em 23 vezes.
Porquê estudar os sintomas e não o diagnóstico final?
Ascherio, em conversa com a revista de Harvard, explicou que o Parkinson não começa quando é diagnosticado. "Sabemos que a doença se desenvolve silenciosamente por mais de uma década, então focar em pessoas já diagnosticadas é tarde demais", disse. Este estudo teve como objetivo entender quais fatores — especialmente os modificáveis — influenciam este longo período pré-clínico.

Segundo os autores, a avaliação dos sintomas não motores permite antecipar intervenções preventivas. E neste sentido, a nutrição apresenta-se como um dos fatores mais transformadores em termos de estilo de vida individual e de políticas públicas.
Causalidade, correlação e dúvidas não resolvidas
Apesar da descoberta, o estudo não pode afirmar causalidade direta. Sempre existe a possibilidade de causalidade reversa — por exemplo, alguém que muda a sua dieta devido a sintomas precoces como constipação — mas, para evitar isso, analisamos dados alimentares de 1986 e sintomas de 2012.
Outro cenário possível é que o elevado consumo de alimentos ultraprocessados desloque nutrientes protetores: fibras, flavonoides, antioxidantes e gorduras saudáveis. Segundo os investigadores, "pode ser que estes alimentos não contenham nada tóxico, mas privem-nos de algo que realmente nos protege".
Qual é o possível mecanismo por detrás dos alimentos ultraprocessados?
A ciência ainda não tem uma resposta definitiva, mas há suspeitas bem fundamentadas. Por exemplo, já foi demonstrado que pesticidas e herbicidas estão ligados ao Parkinson, mas o problema é que os humanos são expostos a combinações complexas de substâncias, não a compostos únicos.
A mesma coisa acontece com alimentos ultraprocessados. A hipótese inclui tudo, desde os efeitos de aromatizantes artificiais e gorduras industriais até à perturbação do microbioma intestinal devido à falta de fibras. Alguns estudos recentes até exploram a relação entre aditivos e neuroinflamação.
O que fazer com estas informações?
"Reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados previne o Parkinson? Não sabemos ao certo. Mas, diante das evidências acumuladas, é uma estratégia sem contraindicações e com múltiplos benefícios", enfatizou Ascherio. Atualmente, a atividade física regular continua a ser o fator de proteção mais forte contra esta e outras doenças neurodegenerativas.
Este estudo, financiado pelo Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos (NIH) e pelo Departamento de Defesa dos EUA, fornece evidências convincentes para orientar políticas públicas. Limitar estes produtos e promover uma dieta baseada em alimentos frescos, como frutas, vegetais, legumes, grãos integrais e gorduras saudáveis, não só melhora a qualidade de vida, mas também pode reduzir o risco de doenças silenciosas e progressivas, como o Parkinson.