A excessiva extração de água reduziu a capacidade de armazenamento do aquífero de Alcácer do Sal

Monocultura, golfe e turismo são apontados como as maiores pressões sobre os recursos hídricos. Os dados do programa europeu Copernicus revelam que, com a escassez de águas subterrâneas, o solo da região tem vindo a abater.

Alcácer do Sal
A pressão sobre os recursos hídricos, combinado com os efeitos das alterações climáticas estão a esgotar a capacidade de armazenamento de água do aquífero de Alcácer do Sal. Foto: Vitor Oliveira de Torres Vedras, PORTUGAL, CC BY-SA 2.0, via Wikimedia Commons

Os dados geoespaciais do programa europeu Copernicus, que monitoriza os meios terrestres e marinhos, bem como a atmosfera e as alterações climáticas da Terra, revelam que o solo da região litoral de Alcácer do Sal e de Grândola, no Baixo Alentejo, têm vindo a abater vários centímetros ao longo dos últimos cinco anos.

O Copernicus é um sistema de observação da Terra composto por uma frota de satélites europeus Sentinel e instrumentos in-situ – no solo, mar e ar –que recolhem e disponibilizam dados gratuitos usados para monitorizar o meio ambiente.

O evento não é propriamente uma novidade, uma vez que os estudos do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) já vinham alertando para os perigos do uso excessivo de águas subterrâneas na região, que poderiam resultar em rebaixamentos do solo.

Plantação de abacates
A agricultura intensiva é, juntamente com os empreendimentos turísticos, apontada como uma das causas para a escassez de águas subterrâneas em Alcácer do Sal. Foto: Matthias Oben via Pexels

O fenómeno, confirmado agora pelas imagens de satélite em alta-resolução e instrumentos de medição do programa Copernicus, ocorre em toda a região onde se encontra a formação geológica subterrânea.

O peso da urbanização e da agricultura intensiva

O abatimento dos terrenos assume particular gravidade nos locais onde foram construídos campos de golfe, unidades hoteleiras e vastas extensões de agricultura intensiva, como são os casos das plantações de abacates e de citrinos.

O aquífero da margem esquerda de Alcácer do Sal, também denominado de T3, é um sistema que abrange os municípios de Alcácer do Sal e de Grândola, fazendo parte de uma grande unidade hidrogeológica ligada à Bacia do Tejo-Sado.

A sua recarga é feita por infiltração direta, quer da precipitação, quer a partir de cursos de água, na parte mais elevada do seu percurso na bacia.

Portugal Continental tem 62 sistemas aquíferos agrupados em quatro unidades hidrogeológicas: Maciço Antigo, Orla Ocidental, Orla Meridional e Bacia do Tejo-Sado.

O aumento da pressão sobre os recursos hídricos, combinado com os efeitos das alterações climáticas são, portanto, os fatores que mais contribuem para esgotar a capacidade de armazenamento de água do aquífero.

O que está a acontecer, na prática, é uma extração de água superior àquela que entra no aquífero. Como resultado, os espaços antes preenchidos por água, abateram num efeito em cadeia, originando depressões na superfície do solo.

Perdas de reservas de água superiores à recarga natural

A região da Bacia do Tejo-Sado possui um dos sistemas aquíferos mais importantes do país, com uma produtividade superior a 30 litros por segundo. Mas, segundo a Associação de Agricultores de Alcácer do Sal, o aquífero da margem esquerda de Alcácer do Sal já perdeu, nas últimas duas décadas, 50% das reservas de água, passando de 60 hm3 para 30 hm3.

O consumo anual, de acordo com a associação, já ultrapassa a recarga natural, com um défice de 3 hm³/ano, com as perdas anuais a duplicarem nos últimos cinco anos.

Acude da Murta
O açude de Murta é um spot de biodiversidade, mas o uso insustentável das águas subterrâneas pode colocá-lo em risco. Foto: GEOTA

As consequências são já visíveis a olho nu, advertem as associações ambientalistas, com a lagoa de Melides e o açude de Murta em risco, bem como poços e furos contaminados com água salobra.

O açude de Vale dos Coelheiros, em Grândola, é apontado como o melhor exemplo para ilustrar o impacto que os usos excessivos das águas subterrâneas têm provocado na região.

Segundo um recente estudo realizado pelo geólogo e hidrogeólogo Jorge Duque, do Gabinete de Planeamento e Gestão do Território (GGT), o reservatório tinha um volume de cerca de 3,5 hectómetros, que desapareceu em pouco mais de três anos, em 2023.

O declínio de pinheiros-mansos e sobreiros

Num território que até 2015 estava coberto de povoamentos de pinheiro-manso e montado de sobro, crescem agora as explorações agrícolas de elevada exigência hídrica e empreendimentos turísticos. Das cinco fábricas de produção de pinha restam duas, que ainda resistem à escassez de matérias-primas, enquanto a cortiça tem registado um decréscimo na quantidade e qualidade.

É o futuro da agricultura da região que está em risco, adverte a Associação de Agricultores de Alcácer do Sal, mas o colapso do aquífero pode ter também consequências ainda mais severas, tendo em conta que Alcácer do Sal, Grândola, Sines e Santiago do Cacém dependem totalmente deste sistema hídrico para abastecer a população com água potável.

Referências da notícia

Recursos hídricos em risco. Especialistas alertam para extração excessiva. Programa A Prova dos Factos. RTP1

Açude da Murta corre o sério risco de secar – Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA)

Jorge Duque. Estudo hidrogeológico e climático-hidrológico do prédio 54 e envolvente ao açude de vale de coelheiros, em muda (Grândola). Gabinete de Planeamento e Gestão do Território, Lda (GGT)

O Aquífero de Alcácer do Sal (Margem Esquerda), fonte de vida para a nossa agricultura, está em colapso. Associação de Agricultores de Alcácer do Sal