A água que não vemos: a recarga dos aquíferos subterrâneos enfrenta um futuro crítico a nível global
Novas investigações científicas revelam que os aquíferos do mundo dependem de episódios específicos de chuvas intensas para se recarregarem. Num clima cada vez mais extremo, este processo está a ser significativamente alterado, ameaçando a segurança hídrica global.

A água subterrânea representa a maior fonte de água doce disponível para consumo humano. Como explica o site The Conversation, esta não é encontrada em rios ou lagos visíveis, mas sim armazenada nos poros das rochas e sedimentos sob os nossos pés. Esta reserva sustenta comunidades, plantações e ecossistemas inteiros, tornando o seu equilíbrio essencial para a vida moderna.
No entanto, os aquíferos não são recarregados automaticamente por qualquer chuva. Estudos recentes mostram que a recarga só ocorre quando chuvas suficientemente intensas conseguem infiltrar-se além das camadas superficiais do solo. Um estudo publicado na revista Eos indica que os cientistas conseguiram, pela primeira vez, medir o momento exato em que a chuva se torna recarga profunda, revelando que a maioria das chuvas do dia a dia é insuficiente para reabastecer os aquíferos.
Um artigo publicado na revista Geoscientific Instrumentation, Methods and Data Systems descreve redes de sensores subterrâneos que permitem aos investigadores apurar o caminho da água gota a gota. Além disso, um estudo recente publicado na revista Geophysical Research Letters demonstrou que, em áreas de rochas fraturadas no sudeste da Austrália, chuvas intensas — entre 10 e 20 mm em 48 horas — são necessárias para desencadear a recarga efetiva do aquífero. Isto confirma que os eventos que sustentam os recursos hídricos subterrâneos profundos são muito mais raros do que se pensava anteriormente.
Alterações climáticas e pressão sobre os aquíferos
O aquecimento global está a afetar o ciclo hidrológico e a alterar o equilíbrio entre evaporação, infiltração e escoamento superficial. Com temperaturas mais altas, uma proporção maior da água da chuva evapora antes de atingir as camadas mais profundas do subsolo. Isto reduz a oportunidade de recarga dos aquíferos em muitas regiões do globo.

Estudos indicam que a crescente variabilidade das chuvas complica ainda mais este processo. Períodos prolongados de seca seguidos por chuvas torrenciais criam condições em que a água escoa rapidamente pela superfície sem penetrar significativamente no solo, deixando os aquíferos sem recarga.
Modelos hidrogeológicos recentes preveem que algumas áreas do planeta poderão sofrer reduções drásticas na recarga até ao final do século. Investigações comparativas mostram que regiões vulneráveis podem perder até 60% da sua capacidade natural de recarga devido às mudanças combinadas no clima e no uso da terra. Esta tendência já é observada em bacias agrícolas e áreas costeiras, onde a pressão humana está a agravar o declínio da recarga profunda.
Uma peça-chave para a segurança hídrica global
Compreender como e quando os aquíferos se recarregam é crucial num mundo onde mais de 1,7 bilião de pessoas dependem diretamente deles para o seu abastecimento de água. Estudos instrumentais e de informação permitem-nos avançar em direção a políticas públicas mais precisas e adaptadas às alterações climáticas.

Novas metodologias de monitorização de águas subterrâneas abrem caminho para estratégias de gestão mais eficazes. Ao identificar os limiares de precipitação que efetivamente reabastecem os aquíferos, os planeadores podem projetar sistemas de captação de água, conservação do solo e recarga artificial mais adequados às condições hidroclimáticas locais.
A comunidade científica concorda que a recarga de águas subterrâneas será uma questão crucial para a segurança hídrica nas próximas décadas. Governos, empresas e regiões agrícolas devem incorporar este conhecimento para evitar danos irreversíveis a um recurso que demora décadas ou séculos para se recuperar. A recarga profunda, embora invisível, será um dos principais indicadores para medir a resiliência das sociedades às alterações climáticas.
Referências da notícia
Groundwater recharge of fractured rock aquifers in SE Australia is episodic and controlled by season and rainfall amount. 28 de fevereiro, 2025. Priestley, et al.
An underground drip water monitoring network to characterize rainfall recharge of groundwater at different geologies, environments, and climates across Australia. 02 de maio, 2024. Baker, et al.