Como evitar que a alface se estrague tão rapidamente: eis o que diz a ciência

Comprar alface na mercearia ou no supermercado é um ato de otimismo. Trazemos para casa aquelas folhas frescas e estaladiças, mas passados alguns dias, a turgidez desaparece. Folhas moles, bordos acastanhados e uma textura que pede o caixote do lixo. Porque é que isto acontece?

alface
A ciência tenta descobrir porque é que a alface murcha tão rapidamente.

Há verdades incómodas na cozinha, e uma delas aparece sempre que abrimos o frigorífico: a alface que ontem estava impecável parece ter tido uma semana difícil. Enfraquece, perde a firmeza e começa aquela corrida contra o relógio que os caixotes do lixo ganham sempre.

A deterioração da alface é tão problemática que a nanociência está à procura de soluções definitivas. Usando a alface romana como “desculpa narrativa”, uma equipa de investigadores descobriu porque é que ela é tão vulnerável.

A fraqueza escondida nos estomas

O estudo centrou-se na alface romana, uma vez que esta é particularmente perecível e suscetível de ser contaminada. Os investigadores analisaram em pormenor a superfície, que é composta principalmente por dois tipos de células:

  • Células Pavimento: funcionam como “paralelepípedos” e constituem a maior parte da superfície. A sua cutícula é rica em gordura e bastante homogénea.
  • Células Guarda (estomas): duas células em forma de rim que se unem para formar uma abertura chamada estoma (“boca” em grego). A sua principal função é regular as trocas gasosas: deixando entrar o dióxido de carbono para a fotossíntese, mas permitindo inevitavelmente a saída do vapor de água.

A análise indicou uma descoberta crucial: enquanto as células do pavimento são bastante repelentes à água, a superfície das células de guarda dos estomas é quimicamente diversa. A heterogeneidade concentra-se nestas pequenas aberturas, com “manchas” hidrofílicas que coexistem entre as zonas de gordura.

É esta composição díspar da cutícula que parece explicar, ao nível microscópico, a vulnerabilidade da alface romana: as zonas hidrofílicas são pontos fracos que favorecem a saída de água do interior da folha.

À medida que se perde mais água, a alface desidrata-se e estraga-se mais cedo. Estas mesmas zonas “amigas da água” podem estar associadas a uma maior suscetibilidade à contaminação por bactérias e vírus. Faz sentido: se a água entra ou se concentra nessas zonas, o mesmo acontece com os agentes patogénicos que por elas viajam.

A sua superfície alterna entre zonas hidrofóbicas e hidrofílicas de uma forma muito marcada. Esta mistura explica porque é que a água interage com a folha de forma tão irregular... e porque é que este legume é um campeão da desidratação prematura.

Desde bactérias a alguns vírus, qualquer intruso que encontre um local “amigo da água” perto de um estoma tem mais probabilidades de dar o salto para o tecido. Essa vulnerabilidade contribui para o murchamento e para a contaminação microbiana, duas das maiores dores de cabeça na conservação de vegetais frescos.

Esta descoberta fornece um roteiro para a indústria. Já não se trata apenas de arrefecer, mas de conceber protecções específicas. O futuro pode incluir o desenvolvimento de revestimentos comestíveis que vedem as “zonas fracas” dos estomas. Se estas “zonas de fraqueza” puderem ser tapadas ou fortificadas, a alface, especialmente a alface romana, poderá prolongar o seu prazo de validade para além de uma semana, gerando menos desperdício em casa e no comércio.

E depois... como é que evita que a alface se estrague?

Saber exatamente onde a folha é fraca abre uma porta interessante. Com esta informação, os investigadores estão a tentar desenvolver revestimentos, embalagens ou tratamentos pós-colheita que reforcem essas áreas difíceis. O objetivo é simples: prolongar o prazo de validade sem alterar a qualidade ou o sabor.

Entretanto, as estratégias que tiram partido deste conhecimento também podem ser aplicadas no dia a dia:

  • Seque-o bem antes de o guardar. O excesso de humidade penetra nas zonas hidrofílicas e acelera a deterioração.

  • Utilize recipientes ventilados ou papel absorvente. Isto ajuda a evitar que a superfície fique presa num microclima húmido.
  • Evite esmagar. Qualquer dano mecânico afeta a cutícula e deixa a folha ainda mais indefesa.

  • Mantenha-a inteira ou com cortes mínimos. Cada corte acrescenta novas zonas vulneráveis.

A alface romana foi o primeiro legume a ser estudado com este nível de pormenor, mas tudo indica que ainda há um mundo por compreender na pele dos frutos e dos legumes. Se conseguirmos decifrar o seu mapa químico, pode ser que um dia abramos o frigorífico e encontremos algo tão extraordinário quanto improvável: uma alface que não decida desistir ao fim de dois dias.