Suplementação dietética: Por que a ciência contradiz a prática em populações saudáveis
Suplementos: a falta de provas científicas para a prevenção em adultos saudáveis e a utilidade crucial para crianças, défices nutricionais e dietas restritas. Saiba mais aqui!

O uso de suplementos vitamínicos e minerais tornou-se uma prática comum em todo o mundo, com uma crescente adesão por parte de populações geralmente saudáveis. No entanto, a evidência científica de ensaios clínicos randomizados (ECRs) acumulada não sustenta que estes suplementos tenham um papel na redução do risco de doenças não transmissíveis, como doenças cardiovasculares, cancro ou diabetes tipo 2, em indivíduos sem deficiências nutricionais clinicamente diagnosticadas.
O perfil dos consumidores e a eficácia questionável
O grupo demográfico que mais consome suplementos tende a ser composto por indivíduos mais velhos, do sexo feminino, com maior nível de escolaridade e rendimento, e que já adotam estilos de vida mais saudáveis. Curiosamente, estas pessoas tendem a ter uma qualidade geral da dieta melhor do que as que não usam suplementos, satisfazendo, na sua maioria, os níveis de ingestão recomendados através dos alimentos.

Os ECRs falharam repetidamente em detetar um benef��cio consistente destes suplementos na prevenção de doenças crónicas. Por exemplo, a suplementação com vitamina D e/ou ómega-3 não demonstrou efeito na prevenção primária de eventos cardiovasculares. No domínio do cancro, as evidências não só não apoiam um papel protetor, como também sugerem potenciais riscos.
Para a diabetes tipo 2, a evidência atual também não suporta o uso de suplementos de vitaminas C, E, β-caroteno ou óleo de peixe para reduzir o risco da doença.
Ingestão e riscos de excesso
Embora o uso de suplementos reduza significativamente a prevalência de ingestão inadequada para a maioria dos nutrientes, também contribui para o aumento da prevalência de ingestão superior ao nível superior tolerável (excesso de ingestão) para alguns nutrientes. Para certos subgrupos populacionais, este risco é particularmente acentuado. Por exemplo, em inquéritos nacionais, foi observada uma elevada taxa de ingestão excessiva de vitamina A e zinco entre crianças que tomavam suplementos.
A ingestão adequada de nutrientes provenientes de alimentos, mas não de suplementos, foi associada a um menor risco de mortalidade por todas as causas num estudo com adultos nos EUA.

Isto pode refletir as interações sinérgicas entre múltiplos nutrientes e outras substâncias bioativas presentes nos alimentos integrais.
Necessidades nutricionais em crianças e populações específicas
Para as crianças, a melhor forma de obter as vitaminas e minerais de que necessitam para o crescimento, o desenvolvimento e a função imunitária é através de uma dieta saudável e variada, composta pelos cinco grupos alimentares. Uma criança saudável que siga uma dieta mista e equilibrada tem poucas probabilidades de desenvolver deficiências e, consequentemente, de precisar de suplementos.
Os suplementos não estão isentos de riscos: o consumo excessivo de certas vitaminas e minerais pode ser prejudicial, e depender de suplementos para compensar uma dieta pobre não a torna saudável.
No entanto, existem populações específicas onde a suplementação é crucial. Em países de baixo e médio rendimento, onde as deficiências nutricionais (como as de iodo, ferro e vitamina A) são prevalentes, a suplementação é uma ferramenta vital para prevenir resultados adversos graves. Da mesma forma, em países de alto rendimento, são feitas recomendações para grupos de risco, como a suplementação de vitamina D para lactentes amamentados, ou a suplementação de vitamina B12 para crianças e adolescentes em dietas veganas.
Em suma, embora os suplementos sejam cruciais para corrigir deficiências e em contextos específicos de alto risco, a evidência atual não justifica a sua recomendação generalizada à população em geral para a prevenção de doenças crónicas. Futuros estudos devem focar-se em populações específicas e na integração de novas abordagens de pesquisa, como a nutrigenética, para refinar e personalizar as recomendações.
Referência da notícia:
Zhang F F, Barr S I, McNulty H, Li D, Blumberg J B. Health effects of vitamin and mineral supplements BMJ 2020; 369 :m2511 doi:10.1136/bmj.m2511