Sapos ciborgues ajudam a explorar os mistérios do cérebro

Investigadores americanos implantaram com sucesso chips em girinos, mas a bioeletrónica tem usado muitos outros organismos vivos para tratar doenças, combater a poluição ou melhorar as operações de resgate.

esquema da implantação de componentes eletrónicos no cérebro de girinos
A ilustração mostra o esquema da implantação gradual dos componentes eletrónicos de malha macia no cérebro do girino. Imagem: Nature

Ao longo de 12 semanas, Hao Sheng e a sua equipa acompanharam atentamente a metamorfose de um pequeno grupo de girinos. Os investigadores da Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, estavam apreensivos, mas respiraram de alívio quando as larvas cresceram e se tornaram sapos adultos e saudáveis.

Apesar de, na aparência, não se distinguirem dos outros da sua espécie, estes anfíbios criados em laboratório são únicos no mundo.

Numa experiência que muitos só imaginariam na ficção científica, os bioengenheiros implantaram um chip que se adaptou ao crescimento do cérebro e à medula espinal dos animais.

Após algumas tentativas falhadas, os cientistas conseguiram finalmente criar um dispositivo eletrónico à escala nanométrica. A sua consistência é tão macia como a do tofu, os fios foram feitos de materiais semelhantes aos tecidos biológicos e a sua flexibilidade moldou-se ao organismo dos girinos.

O estudo demonstrou que o dispositivo implantado nos anfíbios pode registar a atividade elétrica de cada célula cerebral com a precisão de milissegundos.

Os sapos ciborgues oferecem agora o vislumbre de um futuro no qual as doenças, no início do seu desenvolvimento, poderão ser mais bem compreendidas, tratadas, curadas e até mesmo evitadas.

Autismo, transtorno bipolar ou esquizofrenia são alguns dos distúrbios neurológicos que podem ocorrer em estágios precoces do crescimento humano. Mas ainda não há como medir a atividade cerebral durante o desenvolvimento neuronal inicial.

Chips implantados em girinos regista a atividade elétrica neural
Um chip implantado em girinos regista a atividade elétrica neural, modelando também o processo de desenvolvimento por meio de estimulação elétrica. Imagem: Nature

A tecnologia criada na Universidade de Harvard poderá permitir alcançar os mistérios mais profundos do cérebro e estudar áreas até agora inexploradas. Mas esta não é uma experiência inédita.

Os avanços na bioeletrónica

A bioeletrónica é uma área que, nos anos mais recentes, tem vindo a crescer rapidamente. Existem já vários implantes feitos de materiais eletricamente condutores para abordar diversas doenças, com demonstrações para tratar arritmia cardíaca, epilepsia e até doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer.

O primeiro implante bem-sucedido num organismo vivo ocorreu em 2006 quando os investigadores da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, colocaram um chip numa larva da mariposa Manduca sexta. Até então, as experiências tinham fracassado, com o dispositivo a ser rejeitado pelo inseto.

Os cientistas decidiram, por isso, implantar o equipamento ainda na fase de larva. E este foi o avanço que permitiu à mariposa se tornar no primeiro organismo vivo a sobreviver a uma metamorfose eletrónica.

Desde então, os investigadores fizeram inúmeros progressos. A Universidade de Queensland, na Austrália, criou recentemente besouros ciborgues controlados à distância para serem usados em missões de resgate. A Universidade de Osaka, no Japão, implantou capacetes de luz ultravioleta em baratas para teleguiá-las em ambientes perigosos e demasiado pequenos para robôs convencionais.

Mariposa Maduca sexta
A mariposa Maduca sexta foi o primeiro inseto ciborgue a ser criado em laboratório em 2006. Imagem: Descouens, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commnos

Na Universidade de Washington, nos EUA, nasceu um gafanhoto com implantes cerebrais capaz de usar o seu olfato para detetar explosivos. Moscas ciborgues estão também a ajudar os cientistas da Universidade de Oxford, no Reino Unido, a avançar nos tratamentos de doenças neurológicas.

Em finais de 2024, investigadores da Universidade de Lund, na Suécia, usaram a luz para fabricar os componentes bioeletrónicos diretamente no tecido biológico de larvas de peixe e cérebros de galinhas. Distintos dos implantes atuais, os bioelétrodos criados por luz são minimamente invasivos, não exigindo a sua remoção, porque se degradam naturalmente após o uso.

Um ano antes, uma equipa da Universidade de Bristol, no Reino Unido, criou um kit de ferramentas microscópicas com componentes elétricos para serem conectados ao corpo humano. A chave para este avanço está no desenvolvimento de uma técnica para construir fios condutores biodegradáveis a partir de proteínas projetadas em laboratório.

componentes bioeletrónicos introduzidos no tecido biológico de larvas de peixe e cérebros de galinhas
Os investigadores Universidade de Lund, na Suécia, usaram a luz para fabricar os componentes bioeletrónicos diretamente no tecido biológico de larvas de peixe e cérebros de galinhas. Imagem: Advanced Science

As peças são feitas a partir de aminoácidos naturais e moléculas heme, encontradas em proteínas como a hemoglobina, que transportam oxigénio nos glóbulos vermelhos do sangue.

Além de se adaptarem ao organismo, os materiais biológicos eliminam a necessidade de procedimentos complexos usados na produção de moléculas sintéticas.

Os biocomponentes testado apresentaram ainda uma ampla gama de aplicações, incluindo biossensores para diagnóstico de doenças e deteção de poluentes ambientais.

Na Universidade de Maryland, nos EUA, a equipa liderada por Sally Wang conseguiu, em meados de 2024, conectar células bacterianas a um sistema de circuito fechado. O protótipo mostrou-se capaz de monitorizar esses organismos, gerar impulsos para alterar o seu comportamento, medir o novo comportamento e fazer ajustes contínuos.

Um besouro Zophobas morio equipado com um microchip
Um Zophobas morio equipado com uma mochila, contendo um microchip removível, foi desenvolvido por investigadores australianos para estimular o movimento do besouro. Foto: The Queensland University.

O objetivo final é desenvolver dispositivos de cuidados de saúde inteligentes para administrar medicamentos ou rastrear em tempo real a progressão de doenças oncológicas. Mas a tecnologia também poderá ter aplicações potenciais na agricultura e na conservação ambiental.

Mais surpreendente ainda é o projeto do grupo de 21 cientistas liderado pelo biólogo e engenheiro Thomas Hartung, da Universidade Johns Hopkins, nos EUA.

Construir um supercomputador que processa informações usando neurónios humanos em vez de chips de silício é o objetivo deste consórcio académico.

A nova forma de computação utilizará material biológico para realizar operações mais complexas, gastando menos energia.

Ainda no campo da teoria especulativa, os cientistas pretendem usar pequenas esferas feitas de neurónios criados em laboratório para construir o software. Chamados de organoides cerebrais, já estão, aliás, a ser aplicados há quase uma década em estudos para entender os mecanismos de doenças neurais.

Desenho de um nanofio proteico
Os minúsculos fios dos investigadores de Bristol têm um milésimo da largura de um cabelo humano. A imagem mostra o desenho de um nanofio proteico, com a seta verde a indicar o fluxo de eletrões. Ilustração: Ross Anderson

Os autores do trabalho reconhecem, todavia, que desenvolver uma máquina com essas características está ainda dependente de avanços em muitas outras áreas. Todas estas experiências, especialmente as que têm como objetivo progredir no tratamento de doenças, precisam, na verdade, de percorrer um longo caminho antes de serem testadas em humanos.

Os desafios a superar

Embora ofereçam uma alternativa menos invasiva às terapias convencionais, a rejeição pelo corpo, a segurança ou a privacidade dos dados dos pacientes são desafios que precisam, antes de mais, de gerar debates, códigos de conduta e legislação.

Os especialistas estão cientes de que será preciso estudar também a sua eficácia a longo prazo e a possibilidade de efeitos adversos que não são ainda totalmente compreendidos.

Neurónios humanos cultivados em laboratório
Os investigadores querem usar neurónios humanos cultivados em laboratório para construir um supercomputador capaz de realizar operações altamente complexas com maior eficiência energética. Imagem: Frontiers in Science

Estamos, portanto, no início desta aventura, mas não deixa de ser eletrizante poder testemunhar os primeiros passos para uma viragem no paradigma da tecnologia, da biomedicina e da ciência.

Referências da notícia

Hao Sheng, Ren Liu, Qiang Li, Zuwan Lin, Yichun He, Thomas S. Blum, Hao Zhao, Xin Tang, Wenbo Wang, Et al. Brain implantation of soft bioelectronics via embryonic development. Nature

Ayesa Paul, Alper Bozkurt, John Ewer & Bernd Blossey. Surgically implanted micro-platforms in manduca-sexta. ResearchGate.

Cyborg beetles could revolutionise urban search and rescue. UQ News – Universidade de Queensland.

Fredrik Ek, Tobias Abrahamsson, Marios Savvakis, Stefan Bormann, Abdelrazek H. Mousa, Et. al. In Vivo Photopolymerization: Achieving Detailed Conducting Patterns for Bioelectronics. Advanced Science.

George H. Hutchins, Claire E. M. Noble, H. Adrian Bunzel, L. Ross Anderson, Et al. An expandable, modular de novo protein platform for precision redox engineering. PNAS

Sally Wang, Chen-Yu Chen, John R. Rzasa, Chen-Yu Tsao, Jinyang Li, Eric VanArsdale, Eunkyoung Kim, Fauziah Rahma Zakaria, Gregory F. Payne, William E. Bentley. Redox-enabled electronic interrogation and feedback control of hierarchical and networked biological systems. Nature Communications.

Lena Smirnova, Brian S. Caffo, David H. Gracias, Huang Qi, Tang Bohao, Donald J. Zack, Cynthia A. Berlinicke, Thomas Hartung, Et al. Organoid intelligence (OI): the new frontier in biocomputing and intelligence-in-a-dish. Frontiers in Science.