Bactérias e fungos são o trunfo mais recente para combater a degradação das nossas construções
O biobetão incorpora microrganismos em edifícios, pontes ou estradas para reparar os danos provocados pela erosão do tempo. Conheça aqui os avanços mais recentes desta tecnologia inovadora.

Num futuro que parece estar cada vez mais próximo, casas, viadutos, praças ou estradas vão estar protegidos por fungos e bactérias a multiplicarem-se por entre tijolos e cimento. Parece-lhe surreal? Para os bioengenheiros, no entanto, o uso de microrganismos vivos é uma alternativa para prolongar a resistência de materiais de construção que está a mostrar resultados promissores.
Historicamente, a busca por soluções duráveis remonta à Roma Antiga, onde o betão feito de cinzas vulcânicas e cal viva (óxido de cálcio) já demonstrava uma resistência excecional em obras como pontes, aquedutos e edifícios.
A tendência aponta para a ampliação do uso do chamado betão auto-reparador tanto em cidades como em ambientes industriais. A deterioração de estruturas de cimento – desde pequenas fissuras até danos maiores – pode levar a interrupções graves e reparações com custos significativos.

Segundo o preâmbulo do relatório “Self-Healing Materials 2025-2035”, da consultora internacional IDTechEx, os países industrializados perdem todos os anos aproximadamente 3% do PIB devido a problemas associados à corrosão e à degradação dos materiais. A indústria em torno da autorreparação procura justamente atuar nas microfissuras, ou seja, antes que os estragos se alastrem, provocando prejuízos maiores.
O poder cicatrizante dos microrganismos
Investigadores dos Países Baixos estão entre os pioneiros no uso de bactérias para criar tipos de betão e argamassas capazes de reparar estragos causados pelo desgaste dos materiais. Projetada para ser aplicada na construção civil, a tecnologia desenvolvida na Universidade Técnica de Delft promete regenerar, reduzir os custos de manutenção e prolongar a vida útil de pontes, edifícios ou infraestruturas rodoviárias.
É um avanço notável, cujos resultados já foram publicados na revista Scientific Reports. No estudo, os investigadores demonstraram que fissuras de até cinco milímetros foram fechadas em 14 dias, podendo a durabilidade das construções aumentar até 70 anos.
A equipa de bioengenheiros concluiu que estas bactérias, naturalmente alcalifílicas, permanecem dormentes no betão, sendo apenas ativadas quando a água se infiltra pelas fendas. Em contacto com humidade, os microrganismos acordam e começam a produzir o calcário que irá preencher as brechas.
Os testes em laboratório demonstraram que a resistência do betão foi restaurada a 93% do valor original após a ação bacteriana reparadora. A permeabilidade da água, por outro lado, foi reduzida em 96%, protegendo os materiais contra a corrosão.
Os progressos nesta tecnologia não representam somente uma diminuição de custos e uma melhoria da segurança. Podem também implicar uma redução significativa da pegada de carbono na indústria da construção, já que exige pouca manutenção e menos necessidade de produzir betão.

Para ser adotada pela construção civil em larga escala, contudo, a abordagem precisa ainda de superar alguns desafios. Desde logo, o seu custo inicial mais elevado quando comparado com o betão convencional. Vão ser necessários igualmente testes de longo prazo para avaliar a sua resistência e eficácia diante de condições climatéricas adversas.
Mas o entusiasmo dos investigadores não esmorece, estando convictos de que esta é uma solução biológica promissora para planear estruturas complexas ou mais leves, podendo ainda abrir possibilidades para designs arquitetónicos mais ousados.

O seu potencial já chamou inclusive a atenção da NASA que olha para esta tecnologia como uma potencial resposta para construir estruturas em Marte, onde a manutenção manual seria um desafio extremo.
Fungos regenerativos e purificadores
Investigadores da Universidade Estadual de Montana, nos Estados Unidos, desenvolveram também um material de construção regenerativo composto por micélio fúngico e células bacterianas capazes de sobreviver durante longos períodos.
Sendo o cimento, por si só, responsável por quase 8% das emissões globais de CO₂, a equipa de investigadores acredita que a inovação pode ajudar a preparar o caminho para sistemas de construção mais sustentáveis e adaptáveis às condições climáticas.
O estudo demonstrou que, ao permanecerem ativas por períodos mais longos, as bactérias podem desempenhar múltiplas funções benéficas, como a autorreparação de danos estruturais e a decomposição de contaminantes ambientais.
Para desenvolver a investigação, os cientistas utilizaram o micélio fúngico da espécie Neurospora crassa e bactérias Sporosarcina pasteuri.
A solução biológica foi aplicada na construção de “andaimes fúngicos”, permitindo desenvolver formas complexas adaptadas às diversas exigências da arquitetura contemporânea e da engenharia de materiais.
Optaram, essencialmente, por projetar geometrias internas que se assemelham ao osso cortical, mas, no futuro, pretendem diversificar outras morfologias.

Os investigadores esperam que os seus novos biomateriais possam vir a ser uma alternativa mais ecológica aos materiais de construção com elevadas emissões de carbono, como o cimento tradicional. O passo seguinte, agora, é melhorar a tecnologia com métodos mais eficientes para uma produção em larga escala.
Cristais reparadores em ação
Na Universidade de Bath, em Inglaterra, os investigadores também cultivam várias espécies de bactérias que se adaptam bem a ambientes ricos em calcário e cálcio. O intuito é desenvolver um biobetão, seguindo uma lógica semelhante ao projeto desenvolvido nos Países Baixos: usar microrganismos capazes de cristalizar as fissuras das construções e reparar os estragos provocados pela erosão do tempo.

A grande vantagem deste material é a sua capacidade regeneradora. As bactérias trabalham como operários empenhados, preenchendo as fissuras com uma camada de minerais. No final da tarefa, tudo o que sobra é uma cicatriz praticamente impercetível.
Este é o futuro dos materiais de construção que está a germinar nos laboratórios de investigação um pouco por todo o mundo. É certo que as tecnologias auto-reparadoras estão ainda em desenvolvimento. Mas o mercado é bastante promissor, esperando-se que venha a crescer exponencialmente na próxima década, segundo os analistas da IDTechEx.
Referências da notícia
Michał Szczepanik, Anna M. Kaźmierowska, Jarosław M. Michałowski, Marek Wypych, Andreas Olsson & Ewelina Knapska. Observational learning of fear in real time procedure. Scientific Reports.
Ethan Villes, Ethan Heynema, Robin Gerlach. et al. (2025). Mycelium as a scaffold for biomineralized engineered living materials. Cell Reports Physical Science, 6(4). DOI: 10.1016/j.xcrp.2025.102517
Conor O’Brien. Self-Healing Materials 2025-2035: Technologies, Applications, and Players. IDTechEx
Using bacteria to create spontaneous self-healing concrete. University of Bath.