Quanto tempo durou a chuva mais longa da História da Terra?

Há registos impressionantes no Havai ou no Canadá, mas é preciso uma longa viagem no tempo para descobrir o recorde de dias consecutivos de precipitação, que faz parecer o dilúvio bíblico, uma gota numa piscina

monções na Índia (tempestade de relâmpagos)
A India é um dos países onde mais chove durante as monções, mas não detém o recorde de dias seguidos de precipitação. Foto: Sayantani10, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Sabemos que a chuva não é igual em todo o lado, estando dependente do clima da região onde ocorre. Quanto mais nos afastamos da linha do Equador, mais frio sentimos e maior é a probabilidade de vestir a gabardine antes de sair de casa.

Muitas regiões no Canadá, por exemplo, têm longos períodos chuvosos que ultrapassam os 80 dias. Mas são as ilhas do Havaí que costumam bater recordes neste tipo de campeonatos. Na comunidade rural de Manuawili, na ilha de Maui, onde os ventos alísios sopram em direção às montanhas, choveu 331 dias seguidos em 1939-40.

Se incluirmos o traço de chuva – que em meteorologia significa a probabilidade de ocorrer precipitação em determinada região – a povoação havaiana de Honomu Maki, em Oahu, registou 801 dias consecutivos - quase dois anos, portanto – entre finais de 1913 e inícios de 1916, dando origem a uma imensa floresta tropical na região.

Da seca ao degelo: as bruscas oscilações do clima que o planeta já atravessou

Os padrões atmosféricos sempre foram inconstantes ao longo da História geológica da Terra. O planeta já esteve congelado ou, então, coberto por desertos.

Os continentes, como hoje os conhecemos, já estiveram cortados por mares. Os desertos do Saara, no Norte de África, ou de Thor, no estado indiano de Rajastão, já foram paisagens húmidas e verdejantes. O nível da água do mar já subiu e desceu em períodos de glaciação ou na sequência de eventos geológicos que alteraram as bacias oceânicas.

O dilúvio bíblico não é nada comparado com a chuva do Episódio Pluvial Carniano

Para conhecer aquele que foi o ciclo mais prolongado de precipitação, no entanto, será preciso fazer uma longa viagem pelo tempo até ao período Triássico, no começo da era dos répteis.

Ainda antes, no final do Período Permiano, o clima da Terra atravessara uma seca prolongada, que terá durando entre 80 e 200 mil anos. Até que subitamente começou a chover torrencialmente. Não foram 40 dias e 40 noites como o dilúvio bíblico. Foram sim dois milhões de anos, um período incomparavelmente maior do que qualquer outro que se conhece.

Honomu Maki, ilha havaiana de Oahu
Honomu Maki, na ilha havaiana de Oahu, registou entre 1913 e 1916 quase dois anos consecutivos de chuva. Foto: Travis Thurston, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Esse largo intervalo de tempo, conhecido como Episódio Pluvial Carniano (EPC), não foi, na verdade, uma única chuva ininterrupta, mas antes vários ciclos com enormes quantidades de chuvas em sequência (dando a impressão de contínuas) que se estenderam por milhões de anos.

O fenómeno aconteceu entre 232 e 234 milhões de anos atrás, mudando radicalmente o clima e a paisagem do planeta. Desconhece-se o que originou este evento climático, que está entre as cinco grandes extinções em massa.

Sabe-se, no entanto, que o EPC coincidiu com uma atividade vulcânica intensa, podendo ter causado o aquecimento global e anoxia (falta de oxigénio) nos oceanos, contribuindo para a extinção de várias espécies marinhas. O que os investigadores especulam é que possa também ter sido um fator potencial na ocorrência do Episódio Pluvial Carniano.

A explosão de vida nos reinos animal e vegetal após a tempestade

A Terra ficou irreconhecível quando a chuva finalmente deu tréguas. O deserto praticamente inabitável, que antes cobria supercontinente Pangeia, deu lugar a florestas densas carregadas de coníferas - semelhantes aos pinheiros - e fetos gigantes. Surgiram corais nos oceanos e novos grupos de plâncton, indicando mudanças nos ecossistemas marinhos, com o surgimento das primeiras tartarugas, tubarões ou peixes ósseos.

Plateossauro
O período mais prolongado de precipitação da história geológica da Terra abriu caminho ao período Triássico com centenas de espécies de dinossauros, entre os quais o Plateossauro, o herbívoro comedor de folhas das árvores. Imagem gerada por IA: artefacti/Adobe Stock

Os animais adaptados ao clima árido e à vegetação rasteira extinguiram-se, seguindo-se uma nova era para mais de duas mil espécies de dinossáurios que reinaram na Terra por 165 milhões de anos.

O Evento Pluvial Carniano é, para os geólogos, um dos capítulos mais importantes na História da Terra, tendo desencadeado mudanças significativas na evolução da vida no planeta. A precipitação, embora tenha conduzido a extinções em massa, abriu também caminho para o surgimento de ecossistemas modernos, moldando a existência das espécies como hoje a conhecemos.

Referências da notícia

Michael J. Benton, Massimo Bernardi & Cormac Kinsella. The Carnian Pluvial Episode and the origin of dinosaurs. Geological Society Publications

Welsh village of Eglwyswrw has had enough of its weather after 81 days of rain – BBC News

Chris Dolce. Where It Rained for 331 Days in a Row in the U.S. The Wheater Channel

Marcos José de Oliveira, Gustavo M. Baptista, Célsio Re Carneiro & Francisco Vecchia. História geológica e Ciência do clima: métodos e origens do estudo dos ciclos climáticos na Terra. ResearchGate.