Num estudo conseguiram obter um registo diário, sem precedentes, de fluxos diários de água do degelo dos glaciares

As calotas glaciares, tão importantes para o equilíbrio ambiental, regulando o clima e armazenando grande parte da água doce do planeta, encontram-se numa fase de derretimento devido ao ritmo acelerado das alterações climáticas.

Antártida
O estudo dos glaciares polares é essencial para uma melhor projeção do clima futuro.

Atendendo que a dinâmica das calotas glaciares desempenham um papel crítico nas flutuações globais do nível do mar, há cada vez mais cientistas a estudar o degelo dos glaciares polares.

Dados de satélites são mais reais que os dados estimados por modelos

Entre os muitos processos que influenciam a dinâmica dos glaciares polares, a produção de água do degelo na superfície das calotas glaciares está a emergir como um fator crucial capaz de acelerar a perda de gelo.

Torna-se assim importante obter mais informação sobre esta água do degelo superficial que influencia a contribuição das camadas de gelo para a alteração do nível global do mar.

Até agora, as avaliações da água do degelo na superfície das calotas glaciares dependiam em grande parte dos resultados de modelos climáticos regionais. No entanto, tratando-se de modelos, estes são limitados pelas suas resoluções espaciais e temporais e pela própria física de cada modelo.

Recentemente, um estudo inovador, publicado no Nature Climate Change, aproveitou o poder da tecnologia de satélite para observação da água do degelo na superfície das calotas glaciares da Gronelândia e da Antártida.

Satélite
Os dados obtidos por satélites são mais precisos que os estimados pelos modelos numéricos

Os satélites de alta resolução medem sinais de derretimento através de várias técnicas, incluindo radiometria de micro-ondas, que deteta a presença de água líquida em camadas de neve ou gelo, complementada por altimetria de radar que rastreia mudanças na elevação da superfície.

Os autores do estudo integraram todos os dados obtidos por satélite e reconstruíram os fluxos diários de água de degelo numa escala temporal e espacial sem precedentes, superando as limitações inerentes aos modelos climáticos.

Foi possível obter assim, por detecção remota, um registo diário detalhado, sem precedentes, dos fluxos de derretimento superficial nas camadas de gelo da Gronelândia e da Antártida, num período de 30 anos, desde 1992 a 2023.

Este estudo marca uma mudança de paradigma na climatologia polar, proporcionando aos cientistas dados mais realistas.

Situação na Gronelândia e na Antártida Oriental

O extenso conjunto de dados obtidos dos satélites revela tendências preocupantes: o volume anual de água do degelo na Gronelândia aumentou significativamente.

No entanto, este aumento na água do degelo não é homogéneo em toda a extensão da camada de gelo. As bacias do norte da Gronelândia sofreram um derretimento mais intenso devido às fases negativas da Oscilação do Atlântico Norte (NAO).

A fase negativa da NAO significa que uma depressão fraca na Islândia tende a ocorrer com um anticiclone fraco nos Açores. Os padrões oscilatórios de pressão atmosférica da NAO comandam a variabilidade climática da região. Na Gronelândia, as fases negativas da NAO estão associadas a verões mais quentes e menos queda de neve, em que as massas de ar são propícias ao aquecimento da superfície e favorecem o aumento do degelo.


Em relação à Antártida, a Antártida Oriental está agora a registar algumas das taxas de derretimento mais altas da história recente, particularmente após 2000. Este facto é devido ao aquecimento da atmosfera e a outros fatores, entre eles a uma fase inesperada de recuperação do buraco de ozono na Antártida.

A situação, recentemente revelada, na Antártida Oriental representa ameaças emergentes que vão muito além do aumento localizado do derretimento das águas.

Degelo
O degelo mais intenso torna-se uma ameaça pois pode levar a situações extremas de desintegração da plataforma de gelo

As regiões com degelo mais intenso promovem a formação de lagoas de água derretida na superfície das plataformas de gelo, um processo reconhecido como um precursor crítico para a desestabilização das plataformas de gelo.

A água do degelo infiltra-se em fraturas e fendas, exercendo pressões hidro fraturantes que podem propagar fissuras geladas, desencadeando eventos catastróficos de desintegração.

Atendendo que as plataformas de gelo da Antártida servem como contrafortes, que restringem o fluxo dos glaciares do interior para o oceano, o seu rápido enfraquecimento repercutir-se-ia nos níveis globais do mar com considerável rapidez.

A produção de água do degelo altera o albedo da superfície da camada de gelo, substituindo a cobertura de neve altamente refletora por lagoas de degelo mais escuras, amplificando a absorção solar num processo denominado retroalimentação albedo-degelo, que acelera o aquecimento da superfície e as taxas de degelo.

A interação dinâmica entre os padrões de circulação atmosférica, a extensão do gelo marinho e as condições da superfície da camada de gelo forma uma complexa rede de interações, cujo conhecimento será essencial para a precisão das projeções futuras do aumento do nível do mar.

Referência da notícia

“Rapid increases in satellite-observed ice sheet surface meltwater production”, Lei Zheng et al., Nature Climate Change, volume 15, Publicado: 04 Julho 2025.