Fumo de incêndios pode afetar saúde respiratória de crianças

Um recente estudo realizado no sul de Moçambique traça uma relação entre as partículas libertadas pelos produtos da combustão de incêndios e o risco de visitas e internamentos hospitalares em crianças. Conheça os pormenores!

As partículas libertadas pela combustão prejudicam a saúde de todos os que as rodeiam, principalmente os grupos mais vulneráveis, como crianças.
As partículas libertadas pela combustão prejudicam a saúde de todos os que as rodeiam, principalmente os grupos mais vulneráveis, como crianças.

Através das emissões associadas, os incêndios têm efeitos negativos na saúde humana e planetária, causando mortalidade e condições de saúde agudas e crónicas, contribuindo para as alterações climáticas e degradando os ecossistemas.

As crianças são particularmente afetadas por estes eventos. São especialmente vulneráveis aos efeitos respiratórios da poluição atmosférica relacionada com a combustão devido às suas características comportamentais diferenciais e à anatomia pulmonar, fisiologia e sistema imunitário imaturos. Só as crianças com menos de 5 anos representam 39% das mortes prematuras em todo o mundo devido à exposição ao fumo de incêndios.

Um estudo liderado pelo Instituto de Salud Global de Barcelona (ISGlobal), centro apoiado pela Fundação "la Caixa", e pelo Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM) aponta para que o fumo dos incêndios possa contribuir para a morbilidade respiratória nas crianças.

O estudo, cujos resultados foram publicados na revista The Lancet Planetary Health, avaliou a associação entre partículas de fumo de incêndios e o risco de visitas (idas ao hospital) e internamentos hospitalares por todas as causas e relacionados com doenças respiratórias entre crianças no distrito de Manhiça, sul de Moçambique, uma área caracterizada por frequentes incêndios.

A equipa de investigação utilizou modelos desenvolvidos pelo Instituto Meteorológico Finlandês para estimar os níveis diários de PM2,5 originados pelos incêndios em Manhiça entre os anos de 2012 e 2020. O número diário de visitas e internamentos hospitalares foi extraído do sistema de vigilância da morbilidade pediátrica do CISM, com foco em crianças com idade inferior ou igual a 15 anos.

“Tal como muitos países da África Subsaariana, Moçambique enfrenta um risco aumentado de incêndios devido às alterações climáticas. É importante quantificar como este perigo induzido pelas alterações climáticas está a afetar a saúde infantil na região”

Cathryn Tonne, investigador do ISGlobal e autor do estudo.

Este estudo reveste-se de uma especial particularidade, uma vez que é o primeiro a examinar a associação entre partículas de fumo de incêndio e morbidade infantil, tendo como pano de fundo um país de baixos rendimentos.

Mais visitas hospitalares diretamente após exposição ao fumo de incêndios

Durante o período de análise do estudo, foram registadas mais de 507.000 visitas hospitalares de mais de 79.000 crianças e quase 9.000 internações hospitalares de mais de 7.300 crianças.

Os resultados mostraram existir associações significativas entre as partículas provenientes do fumo dos incêndios e o aumento de visitas hospitalares de crianças, por todas as causas e de origem respiratória (principalmente infecções respiratórias superiores agudas), especialmente no mesmo dia e no dia seguinte aos eventos de incêndio.

Verificou-se que um aumento de 10 µg/m3 (microgramas por metro cúbico) de PM2,5 originadas pelo fogo deu origem a um aumento de 6% nas visitas hospitalares por todas as causas, e a um aumento de 12% nas visitas hospitalares relacionadas com problemas respiratórios no dia seguinte.

Os resultados revelaram associações mais fortes nas visitas hospitalares infantis quando se deram incêndios em terrenos agrícolas do que em povoamentos florestais, embora os incêndios em povoamentos florestais tenham sido mais frequentes durante o período do estudo.

Isto pode ocorrer porque, na área de estudo, as terras agrícolas, principalmente os canaviais, estão mais próximas das áreas construídas pelo Homem do que das florestas. Os resultados não evidenciaram associações para internamentos hospitalares, muito provavelmente devido aos pequenos números registados no sistema de vigilância.

Este estudo aproveita dados de medições terrestres de poluição atmosférica, raramente disponíveis na região, para avaliar a correlação das estimativas do modelo com o total medido de PM2,5, o que torna este trabalho mais robusto.

Uma população especialmente vulnerável ao fogo

Como se disse, as crianças são particularmente vulneráveis aos efeitos respiratórios da poluição atmosférica relacionada com a combustão. A vulnerabilidade das crianças deve-se principalmente ao menor tamanho das vias aéreas, à maior frequência respiratória, ao aumento da área de superfície pulmonar por kg de peso corporal e ao maior tempo passado ao ar livre em comparação com os adultos.

Alguns estudos anteriores tinham já associado o fumo dos incêndios a um aumento nas visitas a hospitais infantis respiratórios, especialmente em crianças menores de cinco anos. No entanto, esta evidência limita-se aos países de elevados rendimentos e pode ter uma generalização limitada para países de baixos e médios rendimentos, devido a diferenças nos determinantes da saúde infantil.

"As crianças na África Subsaariana podem ser mais vulneráveis devido ao elevado fardo de infeções agudas e crónicas pré-existentes, às deficiências nutricionais, às habitações de má qualidade, à elevada exposição à poluição atmosférica doméstica e à baixa capacidade de adaptação aos riscos ambientais e aos fenómenos meteorológicos extremos”.

Ariadna Curto, investigadora do ISGlobal e primeira autora do estudo.

Na verdade, a África Subsaariana é a região mais afetada por incêndios, representando 70% da área total queimada em todo o mundo, e a maioria destes são agrícolas, o que a diferencia dos países de altos rendimentos.

Referência da notícia:
Curto, A., Nunes, J., Milà, C. et. al. Associations between landscape fires and child morbidity in southern Mozambique: a time-series study. The Lancet Planetary Health. 2024.