Pumas na Patagónia: a caça entre felinos e pinguins

Na Patagónia, duas espécies distintas, terrestre e marinha, mostram como é que ecossistemas restaurados podem gerar interações inesperadas. Descubra mais aqui!

Puma
O regresso dos pumas às áreas protegidas revelou uma nova ligação ecológica entre ecossistemas terrestres e marinhos, documentada por investigadores.

Na remota costa atlântica da Patagónia argentina um grupo de investigadores descobriu uma das interações mais surpreendentes da ecologia moderna: pumas (Puma concolor) a caçar pinguins-de-Magalhães (Spheniscus magellanicus) durante a época de reprodução.

Este fenómeno, documentado num estudo científico publicado na revista Food Webs, desafia ideias tradicionais sobre o comportamento destes grandes felinos e sobre como ecossistemas restaurados podem criar novas ligações tróficas entre espécies terrestres e marinhas.

Tradicionalmente, o puma é um dos principais predadores terrestres nas Américas, com um histórico de caça a grandes mamíferos como guanacos, parentes selvagens das lamas, cervídeos e lebres. No entanto, durante grande parte do século XX, estes felinos foram perseguidos e eliminados em vastas áreas da Patagónia devido ao conflito com criadores de ovelhas.

Com a criação do Parque Nacional Monte León em 2004 o habitat dos pumas ficou protegido, regressando estes gradualmente a esta paisagem costeira.

Ao mesmo tempo, colónias de pinguins-de-Magalhães cresceram de forma expressiva ao longo da costa continental, uma situação possível porque, com a ausência de predadores terrestres, estas aves marinhas encontraram um ambiente seguro para nidificar perto do mar.

Delinear a “nova” relação predador-presa

O grupo de cientistas, oriundos da Universidade da Califórnia e Argentina, monitorizou pumas e pinguins no Monte León ao longo de um período de três meses utilizando armadilhas fotográficas e deteção de movimentos de felinos.

Imagens das câmaras
Pumas registados pelas câmaras-armadilhadas a consumir pinguins-de-Magalhães no Parque Nacional Monte León, Argentina. Fonte: Mitchell W. Serot et al.

Os resultados foram célebres, os pumas apareceram 12,5 vezes mais do que qualquer outro predador mamífero nas armadilhas, e registaram-se 28 eventos individuais de pumas a capturarem pinguins.

Este padrão mostra uma forte ligação entre o ecossistema marinho e terrestre, até então pouco documentada.

Adicionalmente, os investigadores observaram que os pumas moviam-se frequentemente junto às grandes colónias de pinguins durante a época em que estas aves permanecem no continente, normalmente entre setembro e abril, quando chegam em milhares para nidificar.

Alterações no comportamento dos pumas

Este novo recurso alimentar não só introduz os pinguins na dieta dos pumas, como também parece estar a mudar o comportamento social e espacial destes felinos.

Dados combinados de GPS e câmaras-armadilhadas revelaram que, durante a estação de reprodução dos pinguins, os pumas concentram a atividade em redor das colónias, permanecendo próximos à costa em vez de percorrer vastos territórios contínuos.

Os pumas mostram maior tolerância entre si, o que contrasta com a conhecida natureza solitária e territorial da espécie. Alguns pumas que exploram estas zonas de alimento partilham o espaço com menos conflitos diretos entre si.

Os investigadores sugerem que esta tolerância surge porque a presença de alimento abundante e concentrado reduz a necessidade de defender territórios amplos ou atacar concorrentes.

O papel ecológico desta nova ligação

A interação entre pumas e pinguins é mais do que um simples caso de predação, trata-se de uma nova ligação ecológica, onde um predador terrestre influencia diretamente um recurso marinho.

Ao capturarem pinguins, os pumas transferem energia e nutrientes do oceano para o interior do ecossistema terrestre, algo raro entre grandes felinos.

Apesar das observações, ainda há incertezas sobre o impacto a longo prazo desta predação nas populações de pinguins.

Relatórios preliminares indicam que a colónia de Monte León continua estável ou mesmo em crescimento desde a criação do parque, mas os cientistas ainda não calcularam quantos pinguins são mortos por pumas anualmente nem se isso pode alterar as tendências populacionais a longo prazo.

Além disso, o facto de os pumas passarem parte do ano a depredar pinguins pode alterar a pressão de predação sobre espécies terrestres tradicionais, como os guanacos, levantando questões sobre dinâmicas competitivas e fluídos de energia no ecossistema.

Lições para a conservação moderna

Compreender estas relações inesperadas é crucial para orientar estratégias de conservação e gestão de áreas protegidas, porque os ecossistemas podem reagir de maneiras surpreendentes à recuperação de predadores de topo.

O estudo dos pumas que caçam pinguins na Patagónia é um exemplo marcante de como a natureza pode reinventar ligações ecológicas quando as pressões humanas diminuem, e como a recuperação da vida selvagem pode revelar comportamentos e dinâmicas inesperados.

Referência da notícia

Mitchell W. Serota, Pablo A.E. Alarcón, Emiliano Donadio, Arthur D. Middleton, "Puma predation on Magellanic penguins: An unexpected terrestrial-marine linkage in Patagonia.", Food Webs, Volume 36, 2023.