Estudo revela perda alarmante de insetos em ecossistema de montanha intocado

As montanhas já não são refúgio: temperaturas crescentes provocam colapso das populações de insetos essenciais à biodiversidade. Saiba mais aqui!

Muitos insetos polinizadores de montanha estão ligados a flores endémicas ou de altitude. Isto torna-os altamente vulneráveis: se a planta desaparecer, o inseto pode extinguir-se.

O artigo investiga os efeitos do aquecimento climático na abundância de insetos voadores em ecossistemas de montanha. O autor baseia-se num estudo de duas décadas, realizado numa pradaria húmida subalpina nas Montanhas Rochosas do Colorado (EUA), para compreender até que ponto o aumento das temperaturas de verão, sobretudo das mínimas noturnas, poderá estar a impulsionar um declínio populacional acentuado destes organismos.

Estudos anteriores, realizados sobretudo em ambientes agrícolas ou urbanos, já haviam documentado declínios dramáticos de insetos, mas permanecia a dúvida sobre se estas tendências se verificavam também em áreas relativamente intocadas pela ação humana.

Para responder a esta questão, Sockman monitorizou a abundância de insetos entre 2004 e 2024, utilizando seis armadilhas instaladas sempre nos mesmos locais de uma pradaria situada a 3200 metros de altitude, em Molas Pass. O local foi escolhido precisamente por apresentar um mínimo de pressões humanas diretas: não houve alterações significativas no uso do solo, nem aumento da infraestrutura, nem incêndios de grande escala nas proximidades durante o período em análise. Assim, foi possível avaliar o impacto do clima quase de forma isolada.

Como a estação favorável é curta (poucos meses de calor), várias espécies aceleram o crescimento e a reprodução, completando o ciclo de vida em poucas semanas

As recolhas decorreram em 15 verões, entre junho e meados de julho, com intervalos semanais. Os insetos capturados, maioritariamente das ordens Diptera e Hemiptera, foram conservados em etanol e contados, embora não tenha sido feita uma identificação taxonómica detalhada. Em paralelo, foram recolhidos e tratados dados meteorológicos de um posto instalado a menos de 700 metros do local, ativo desde 1986. Estes registos incluíram temperaturas diárias mínimas, médias e máximas, precipitação, acumulação de neve e datas de derretimento.

Em que modelos se baseou o estudo?

A análise estatística baseou-se em modelos lineares mistos, complementados por seleção de modelos através do critério de Akaike (AIC), testando dezenas de combinações de variáveis. Os resultados demonstraram uma diminuição média anual de 6,6% na abundância de insetos, o que corresponde a um declínio acumulado de 72,4% em vinte anos. Trata-se de uma redução de magnitude semelhante à registada em ambientes agrícolas intensamente explorados, como no estudo alemão que detetou uma perda superior a 80% da biomassa de insetos em 27 anos.

Quais as explicações?

O fator climático com maior poder explicativo foi a temperatura média do verão anterior, em especial os valores mínimos noturnos. O estudo revelou um efeito com um ano de atraso: verões mais quentes estavam associados a menores populações de insetos no ano seguinte. As séries de dados mostram que, desde 1986, as temperaturas mínimas de verão aumentaram cerca de 0,8 °C por década, um ritmo de aquecimento superior à média global e comparável ao observado em regiões polares.

Embora o clima surja como a principal explicação, o autor não descarta a influência de outros fatores, como a sucessão ecológica natural da pradaria ou o aumento atmosférico de azoto e carbono, que podem reduzir a qualidade nutricional das plantas e afetar os herbívoros.

Na discussão, Sockman salienta que este declínio em área quase intocada contradiz a ideia de que os ecossistemas de montanha funcionam como refúgios contra as alterações climáticas. Apesar de alguns insetos poderem migrar para altitudes superiores, a redução da abundância sugere que essa compensação não ocorre de forma significativa, talvez devido a limitações de dispersão ou à ausência de habitats adequados acima da linha alpina.

Algumas espécies só existem em determinados vales ou encostas, funcionando como verdadeiros “endemismos de altitude”. As montanhas são, por isso, hotspots de biodiversidade.

O autor reconhece também a hipótese de alterações fenológicas — isto é, os insetos poderem estar a atingir o pico de atividade antes do início da amostragem em junho. No entanto, a análise temporal sugere que essa explicação não basta para justificar a queda acentuada registada.

Quais as implicações?

As implicações ecológicas são sérias. A perda de insetos ameaça comprometer os serviços de polinização, o equilíbrio das cadeias alimentares e a reciclagem de nutrientes. Nos ecossistemas de montanha, onde muitas espécies de insetos possuem adaptações altamente específicas a condições extremas, a sua redução pode ter efeitos desproporcionados, colocando em risco a biodiversidade endémica.

O estudo conclui que o aquecimento climático, em particular o aumento das temperaturas mínimas de verão, constitui o fator mais plausível para explicar a queda de mais de 70% na abundância de insetos em vinte anos num ecossistema de montanha quase intocado.

Esta tendência, caso persista, poderá levar a perdas ainda maiores nas próximas décadas, ameaçando a estabilidade de habitats de altitude e dos serviços de ecossistema de que dependem também as sociedades humanas. O autor recomenda que futuras investigações aprofundem a identificação taxonómica, explorem interações entre múltiplos fatores e reforcem a monitorização a longo prazo, de forma a compreender e mitigar este fenómeno global.

Referência da notícia

Sockman, Keith W. 2025. “ Long-Term Decline in Montane Insects under Warming Summers.” Ecology 106(9): e70187. https://doi.org/10.1002/ecy.70187