Como proteger os oceanos da pesca predatória? Com satélites de última geração, respondem os investigadores

As Áreas Marítimas Protegidas mais remotas continuam a ser um alvo contínuo de atividades ilegais, mas os dois estudos publicados na Science demonstram que as tecnologias avançadas podem alterar rapidamente este cenário.

Barco de pesca no alto-mar
Com comunicações de última geração e inteligência artificial é possível fiscalizar a atividade piscatória, dizem os investigadores. Foto: Céréales Killer, CC BY-SA 1.0, via Wikimedia Commons

As Áreas Marítimas Protegidas cobrem atualmente 8% dos oceanos. O objetivo das Nações, no entanto, é chegar aos 30% em 2030. Mas o grande desafio, esse, passa por conseguir assegurar a vigilância destas águas em todo o mundo, protegendo-as da pesca predatória.

Se a monitorização mais próxima da costa é relativamente eficiente, o mesmo não se poderá dizer das zonas remotas e inacessíveis. O estudo conduzido pela Universidade Montpellier, em França, levanta uma realidade preocupante.

Procurando quantificar a atividade pesqueira em mais de seis mil Áreas Marítimas Protegidas (AMP), os investigadores recorreram a imagens de satélite para concluir que quase metade destas zonas (47%) foram alvo de pesca ilegal entre 2022 e 2024.

Apesar da interdição, os instrumentos de vigilância atuais foram incapazes de detetar a invasão nas zonas mais afastadas. Bastou desligar os dados de sistema automático (AIS, na sigla em inglês) para as embarcações passarem desapercebidas no radar das autoridades marítimas.

Mapa com as AMP (a azul) sobrepostas às imagens de satélite, mostrando as percentagens de embarcações detetadas em cada continente.
O mapa mostra as AMP (a azul) sobrepostas às imagens de satélite, com as percentagens de embarcações detetadas em cada continente. Imagem: Science

Mais de 80% dos barcos não rastreados foram localizados precisamente nas águas cuja atividade extrativa está totalmente interdita. No estudo, publicado na revista Science, os autores defendem que estes resultados evidenciam uma presença contínua da pesca industrial.

A vulnerabilidade das Áreas Marítimas Protegidas

As AMP são ferramentas cruciais para a conservação da biodiversidade marinha, mas o que esta investigação expõe é uma lacuna relevante que pode comprometer a sua eficácia. O estudo é por isso uma chamada de atenção, mas também serve para mostrar que a resposta pode estar no uso da tecnologia avançada.

Do mesmo modo que os investigadores usaram a ciência e soluções inovadoras para estudar a atividade piscatória ilegal, também as autoridades de cada país poderão utilizar recursos semelhantes para vigiar as AMP sob a sua alçada. É importante, como tal, investir em tecnologia de satélite de radar de abertura sintética (SAR, na sigla em inglês).

Utilizando comunicações de última geração e inteligência artificial (IA), os cientistas demonstraram que é possível monitorizar e fiscalizar a pesca ilegal, mantendo estas áreas protegidas não somente no papel, mas sobretudo no terreno, que é o que efetivamente importa.

O SAR envia impulsos de radar para a superfície do oceano e mede as reflexões, permitindo que os modelos de IA identifiquem a maioria das embarcações com mais de 15 metros de comprimento, mesmo quando os dados do sistema automático estão desligados.

A eficácia da vigilância no combate à pesca ilegal

Quando a vigilância funciona o que se verifica, aliás, é que é possível travar as atividades extrativas nas águas delimitadas como protegidas. Essa é a boa notícia revelada por um outro estudo também publicado na mesma altura pela revista científica Science.

O mapa mostra a atividade pesqueira industrial, usando satélites e inteligência artificial para detetar embarcações ilegais
O mapa mostra como os investigadores monitorizaram a atividade pesqueira industrial, usando satélites e inteligência artificial para detetar embarcações ilegais. Imagem: Jennifer Raynor, Sara Orofino e Gavin McDonald/Science

A investigação, coordenada pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, monitorizou 1380 áreas classificadas como “altamente” e “totalmente” protegidas localizadas próximas de zonas costeiras.

Os resultados revelaram que, em 78,5% das AMP estudadas, a pesca comercial era inexistente. Nas restantes águas em que foram detetadas operações ilegais, 82% tinham uma média de menos de 24 horas de atividade por ano.

Os cálculos demonstraram que essas Áreas Marítimas Protegidas tinham em média, nove vezes menos embarcações por quilómetro quadrado dos que as zonas costeiras não protegidas.

Significa isto que a vigilância funciona e que investir em tecnologia traz resultados imediatos.

E, quando se protegem as áreas marítimas, todos saem a ganhar. Os ecossistemas regeneram, a vida marinha recupera e a pesca é o primeiro setor da economia a beneficiar com o aumento dos stocks pesqueiros.

A pesca ilegal, por outro lado, compromete não apenas o futuro desta atividade, como representa uma ameaça global para a saúde dos oceanos. Proteger os nossos mares das atividades extrativas contribui também para contrariar o arrefecimento das águas.

cardume de peixes
A exploração ilegal dos stocks pesqueiros afeta a sustentabilidade dos ecossistemas marinhos, a segurança alimentar e os meios de subsistência de comunidades costeiras. Foto: Adiprayogo Liemena/Pexels

A captura de pescado ilegal, muitas vezes associada a práticas destrutivas, como a pesca de arrasto de fundo, danifica ecossistemas vulneráveis e liberta gases de efeito estufa.

O fenómeno, como sabemos, agrava o aquecimento global, afetando as cadeias alimentares e a sobrevivência de inúmeras espécies. “Por outras palavras, a indústria pesqueira beneficia com o cumprimento das regras”, remata Eric Sala, um dos autores do estudo, citado no comunicado da Universidade de Wisconsin-Madison.

Referências da notícia

Raphael Seguin, Frédéric Le Manach, Rodolphe Devillers, Laure Velez & David Mouillot. Global patterns and drivers of untracked industrial fishing in coastal marine protected areas. Science

Jennifer Raynor, Sara Orofino, Christopher Costello, Gavin McDonald, Juan Mayorga & Enric Sala. Little-to-no industrial fishing occurs in fully and highly protected marine areas. Science