Como os cientistas estudam núcleos de gelo para revelar a história climática da Terra

Insetos, poeiras, bolhas de ar, sais marinhos, cinzas vulcânicas ou de incêndios florestais podem acabar presas no gelo glaciar por eras. Estes achados pré-históricos podem ajudar-nos a compreender como o clima e a atmosfera têm mudado.

Os núcleos de gelo podem ajudar a revelar se a camada de gelo ocidental da Antártida derreteu por completo na última vez em que o planeta Terra atingiu as temperaturas que deverá atingir nos próximos duzentos anos.

Com certeza já se deve ter questionado sobre o que existe abaixo do gelo polar. Será que há algo além de lama, pedra e registos históricos? Seja qual for a sua composição, que difere de região para região, para os climatologistas, as relíquias aqui depositadas contam a história de como o clima e a atmosfera do nosso planeta mudaram ao longo de milhares de anos.

Os núcleos de gelo podem ajudar a revelar se a camada de gelo ocidental da Antártida derreteu completamente na última vez em que o planeta Terra atingiu as temperaturas que deverá atingir nos próximos dois séculos. Se derreteu, é provável que venha a derreter novamente, o que levaria o nível do mar a subir de forma suficientemente significativa para ameaçar muitos territórios costeiros.

Para obter estas e outras respostas contidas num núcleo de gelo, um conjunto de investigadores liderados por Erich Osterberg utilizou métodos como derretimento gradual ou trituração da amostra.

Cada camada mais profunda do gelo representa um período mais antigo na história climática da Terra. Os núcleos chegam ao laboratório em tiras de cerca de 2,5 cm por 2,5 cm, cortadas de secções maiores com cerca de 90 cm de comprimento, extraídas através de perfuração.

Nalguns casos, os cientistas conseguem estudar bolhas de ar da atmosfera antiga, aprisionadas no gelo no momento da sua formação. Essas bolhas são extraídas ao triturar a amostra em câmaras de vácuo, o que impede a entrada de ar moderno, permitindo capturar o ar libertado com a precisão necessária.

Precisão e cuidados na análise para obter melhores resultados

As amostras derretidas passam por instrumentos de altíssima sensibilidade, como espectrómetros de massa, microscópios eletrónicos e cromatógrafos gasosos, para detetar minúsculas partículas de poluentes (sulfatos, metais, resíduos radioativos) ou aerossóis naturais (poeiras, cinzas vulcânicas).

Essas análises exigem ambientes extremamente limpos. As "salas limpas" possuem filtros especiais e são rigorosamente controladas para evitar qualquer contaminação externa. Quanto aos investigadores, utilizam equipamentos de proteção individual especiais, de forma a garantir a integridade das amostras.

O processo de derretimento permite que a equipa detecte traços de poluição, sal marinho, poeira, cinzas vulcânicas e de incêndios florestais, entre outras inclusões.


Ao analisar diversas camadas, que podem representar períodos de uma semana até um ano, os investigadores procuram encontrar padrões que evidenciem indícios de mudanças na atmosfera e nas atividades da Terra.

A proporção entre os isótopos de oxigénio-16 (mais leve) e oxigénio-18 (mais pesado), por exemplo, revela as temperaturas no momento da formação do gelo. Foi justamente através dessas análises que os investigadores descobriram a relação entre a concentração de dióxido de carbono e a temperatura global ao longo de pelo menos um milhão de anos.

Osterberg acredita que os núcleos de gelo podem ajudar a esclarecer se a camada de gelo da Antártida Ocidental derreteu há cerca de 125 mil anos, período em que o planeta teve temperaturas semelhantes às previstas para os próximos séculos.

Os desafios de uma nova perfuração

Antes de qualquer estudo, é preciso encontrar e extrair os núcleos. Equipas como a de Osterberg passam anos a explorar regiões inóspitas de glaciares para identificar os melhores locais, áreas planas e com gelo que flui lentamente. Estas utilizam marcadores de GPS para acompanhar o movimento do gelo ao longo do tempo.

A instalação de um acampamento base e a perfuração de dois núcleos de 213 metros pode demorar entre seis a oito semanas. Em regiões como a Antártida, alguns investigadores perfuram até mais de três quilómetros, o que exige ainda mais tempo e recursos.

A camada de gelo da Antártida Ocidental inclui duas enormes plataformas de gelo que se estendem sobre o Oceano Antártico. Se o gelo a oeste das Montanhas Transantárticas tivesse derretido completamente há 125.000 anos, o gelo que hoje se encontra a centenas de quilómetros da costa estaria próximo do mar.

Uma nova perfuração está a ser planeada no lado leste das Montanhas Transantárticas, área que divide as camadas de gelo da Antártida Oriental e Ocidental. Caso a camada de gelo ocidental tivesse efetivamente desaparecido naquela época, o local onde hoje se encontra o gelo estaria, há 125 mil anos, próximo do litoral.

Após a extração, começa outra etapa crítica: o transporte dos núcleos para análises laboratoriais. As amostras são levadas em caixas refrigeradas por avião ou camião, numa corrida contra o tempo para evitar a sua degradação.

As precauções são muitas: agentes de alfândega pagos para monitorizar as caixas nos aeroportos e até camiões reserva que seguem o transporte principal, prontos para entrar em ação em caso de falha mecânica.

Além das dificuldades técnicas, o clima e a fauna local são fatores críticos de sucesso. Em 2012, durante uma expedição na Gronelândia, a equipa de Osterberg teve que escolher entre enfrentar uma tempestade semelhante a um furacão ou descer para uma área com risco de ataque de ursos polares, cuja presença aumentava devido ao degelo marinho. Escolheram a tempestade e perderam a maioria das barracas.