Cientistas relacionam o intrigante desaparecimento das nuvens de Neptuno com o ciclo solar

Astrónomos descobrem uma ligação entre a abundância variável das nuvens de Neptuno e o ciclo solar de 11 anos, em que o aumento e a diminuição dos campos magnéticos emaranhados do Sol impulsionam a atividade solar. Contamos-lhe mais aqui!

Neptuno; ciclo solar; cobertura de nuvens; Sol
Aparentemente, o ciclo solar provoca alterações na cobertura de nuvens de Neptuno. Saiba abaixo como os cientistas descobriram esta ligação.

Para os cientistas que estudam os planetas, ter descoberto a ligação entre Neptuno e a atividade solar constituiu uma surpresa uma vez que o oitavo e mais distante planeta do nosso Sistema Solar recebe luz do Sol com apenas cerca de 0,1% da intensidade que a Terra recebe. Contudo, tudo indica que o tempo nublado global de Neptuno é impulsionado pela atividade solar e não pelas quatro estações do planeta.

Esta descoberta baseia-se em três décadas de observações da evolução do aspeto de Neptuno, captadas pelo Telescópio Espacial Hubble da NASA (arquivos iniciados em 1994); pelo Observatório W. M. Keck no Havai (imagens tiradas de 2002 a 2022), bem como em dados do Observatório Lick na Califórnia (2018 e 2019). Recentemente, as observações do Keck foram complementadas por imagens dos programas Twilight Zone e Outer Planet Atmospheres Legacy (OPAL) do Hubble.

Padrão intrigante entre a cobertura de nuvens de Neptuno e o ciclo solar, eis o que revelaram as imagens

Atualmente, a cobertura de nuvens observada em Neptuno é extremamente baixa, com exceção de algumas nuvens que pairam sobre o pólo sul do planeta gigante. Uma equipa de astrónomos liderada pela Universidade da Califórnia (UC) Berkeley descobriu que a abundância de nuvens normalmente observada nas latitudes médias do gigante gelado começou a desaparecer em 2019.

Fiquei surpreendida com a rapidez com que as nuvens desapareceram em Neptuno - Imke de Pater, professora emérita de astronomia na UC Berkeley e autor sénior do estudo.

Segundo de Pater, a atividade nebulosa em Neptuno diminuiu “em poucos meses”. E, mesmo no presente ano de 2023, as últimas imagens - obtidas no passado mês de junho - revelam que as nuvens ainda não regressaram aos seus níveis anteriores.

Para Erandi Chavez, estudante de pós-graduação no Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian (CfA) em Cambridge, Massachusetts, e autora principal do estudo quando estudava Astronomia na Universidade de Berkeley - "Isto é extremamente excitante e inesperado, especialmente porque o período anterior de baixa atividade das nuvens de Neptuno não foi tão dramático e prolongado".

Um padrão intrigante entre as mudanças sazonais na cobertura de nuvens de Neptuno e o ciclo solar foi revelado pelas imagens obtidas pelos investigadores. O ciclo solar é o período em que o campo magnético do Sol muda de 11 em 11 anos, tornando-se mais emaranhado como se fosse um novelo.

Isto evidencia-se no número crescente de manchas solares e no aumento da atividade das erupções solares. À medida que o ciclo avança, o comportamento tempestuoso do Sol atinge o seu máximo, até que o campo magnético se afunda e inverte a polaridade. De seguida, o Sol volta a estabilizar-se num mínimo, iniciando de novo outro ciclo.

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As mudanças no brilho de Neptuno causadas pelo Sol

Quando o Sol está envolto numa tempestade, o sistema solar é inundado por uma radiação ultravioleta (UV) mais intensa. Dois anos após o pico do ciclo solar, descobriu-se que um número crescente de nuvens aparece em Neptuno e descobriu-se ainda que há uma correlação positiva entre o número de nuvens e o brilho do gigante gelado, resultante da reflexão da luz solar.

Estes dados notáveis dão-nos a prova mais forte até agora de que a cobertura de nuvens de Neptuno está correlacionada com o ciclo do Sol - afirmou de Pater. (...) Os raios UV do Sol, quando suficientemente fortes, podem estar a desencadear uma reação fotoquímica que produz as nuvens de Neptuno.

A ligação entre o ciclo solar e o padrão climático nublado de Neptuno foi descoberta através da análise de 2,5 ciclos de atividade de nuvens registados ao longo dos 29 anos de observações neptunianas. Neste período, a refletividade do planeta aumentou em 2002 e diminuiu em 2007. Neptuno voltou a brilhar em 2015, escurecendo depois em 2020 para o nível mais baixo alguma vez observado, altura em que a maior parte das nuvens desapareceu. Os resultados foram publicadas na revista Icarus.

Parece que as mudanças no brilho de Neptuno causadas pelo Sol sobem e descem mais ou menos de forma síncrona, com o vai e vem das nuvens no planeta. Todavia, existe um desfasamento de dois anos entre o pico do ciclo solar e a abundância de nuvens observadas em Neptuno. As alterações químicas são causadas pela fotoquímica, que ocorre no alto da atmosfera superior de Neptuno e leva tempo a formar nuvens.

Possíveis estudos futuros

Ainda é necessário realizar mais trabalho para aprofundar a compreensão da conexão entre o gigante gelado e o Sol. Embora um aumento da luz solar UV possa produzir mais nuvens e neblinas, pode também escurecê-las, reduzindo assim o brilho geral de Neptuno.

As tempestades em Neptuno que se erguem da atmosfera profunda afetam a cobertura de nuvens, mas não estão relacionadas com as nuvens produzidas fotoquimicamente, pelo que podem complicar os estudos de correlação com o ciclo solar. Também são necessárias observações contínuas de Neptuno para ver quanto tempo durará a atual quase ausência de nuvens.

Os dados combinados do Hubble, do Telescópio Espacial Webb, do Observatório Keck e do Observatório Lick permitirão novas investigações que ajudarão a aprofundar a compreensão dos astrónomos acerca de Neptuno e também de exoplanetas, uma vez que se pensa que muitos dos planetas fora do nosso sistema solar têm qualidades semelhantes às de Neptuno.